segunda-feira, dezembro 26, 2005

razão - terceiro fragmento

Ao publicar "3 fragmentos", em novembro, recebi um comentário de minha amiga Elaine Malmal, poeta paulistana, me pedindo a continuação do terceiro fragmento, com o que o Vital Lima também concordou... Meio ingenuamente, vou publicar agora esta continuação, em verdade apenas uma terceira estrofe que, creio, dá cabo de fechar a chaga aberta do poema que tanto incomodou estes meus dois super queridos amigos. Digo ingenuamente porque não sei se o que fiz os agradará - e sendo bem franco, nem mesmo sei (ainda) se me agrada por completo... Não se espantem, gente... poesia é assim mesmo: às vezes demora a se mostrar, mesmo aparentemente se mostrando: : :


peço a mim mesmo: tenha alma
calma que o novo já está
agora é como a palma da mão
conheces no instante em que dizes: já

peço a mim mesmo: pra ciência
fica com os olhos atentos
incidente é como caixa de presente
apresenta o futuro acontecimento

peço a mim mesmo: só, cega
repousa a vista na escuridão
e sê, noutros sentidos
a corda acesa da razão.

domingo, dezembro 18, 2005

memória

Alguma brancura, como o quer o tempo de silenciar... e depois, poesia sobre o som reminiscente. Ir ao encontro do futuro, mas sem beber da água obliterante. Poema que virou crisálida canção num quarto de hotel, em Colares. Se queres ouvir, espera.

espera - não faças nada
ouve primeiro o rumor
põe teu dedo úmido ao vento
vê brandir a direção

espera - sossega a faca
compreende a mordaça
risca a linha futura
solta teus medos ao rumo

espera - não leves sombra
passa mudo e sem rastro
doma tua dor altivo
arma teu teto breve

espera - guarda teus planos
centra tua baliza tonta
conta com o chamado distante
cobre os olhos de memória.

sexta-feira, novembro 04, 2005

3 fragmentos

Revirar cadernos antigos é, para mim, catártico. Sempre acabo me deparando com eus que deixei espalhados e dispersos, empoeirados e até mesmo de castigo por tempo indeterminado. Eis aqui três fragmentos de poemas, certamente inacabados, de todo modo acabados a seu próprio modo... perdidos numa agenda de 2002, à mercê do acaso, e da minha paciência, renovada após alguns anos de espera, e mudanças pontuais. Não têm encaixe, não esperam nada. Não são senão brinquedos quebrados. Sempre amei meus brinquedos quebrados.

: : 1 : :

explode a lua negra em meio a bela noite
estrelas se tornam açoites infinitos
e as palavras, num vocabulário aflito
colidem, espatifando-se em coices
enumero as palavras em gênero e grau
até que surja a frase fatal em presença
ajoelho-as em reza e penitência
diante das flores em meu quintal.


: : 2 : :

dia chuvoso – delícia ociosa
rosa seio vulcão pedra
andrajo mineral, menina cedra
palavras amadeiradas, leitosas
via-láctea em teu ventre-leito
literatura táctil, pétalas do peito
retalhos da seda na pele, e na sede
engulo teu sumo que a lua mede
noite estrelada – novelos celestes



: : 3 : :


peço a mim mesmo: tenha alma
calma que o novo já está
agora é como a palma da mão
conheces no instante em que dizes: já

peço a mim mesmo: pra ciência
fica com os olhos atentos
incidente é como caixa de presente
apresenta o futuro acontecimento

domingo, outubro 16, 2005

conheço palavras perigosas

Depois de um breve período de ausência, um silêncio branco bastante conveniente para tal página, volto a publicar um texto que me agrada bastante - uma tentativa de reflexão sobre o ato de comunicar-se. Usei-o nesta sexta-feira última numa performance no IPHAN, como narrativa na peça "Palavra-máscara", de Valério Fiel, o que revelou-se um grande momento, quem esteve lá pode comprovar... De todo modo, eis o texto para os transeuntes da página branca: um punhado de rosas ao solo.

conheço palavras perigosas
como rosas abandonadas no chão.
estiro-as sem pudor sobre a página casta,
sabendo o que basta para dizer então:
silêncio, caríssimo!
oh, não perturbes o poema com teu argüir inútil!...
aguarda, ignoto de teu destino
o sino veemente das horas minúsculas, informes,
de que são feitas as palavras tornadas poesia –
sua efígie amoral, sua afasia e demência.

ouve o sinal e aceita sua sina
qual herança ou violência.
toma do poema apenas o severo
esquema do espelho mágico
e ao perguntares sobre ti mesmo,
trágico ou patético, ouvirás
da superfície clara do simulacro
o mimético silêncio,
ardente como o sol do meio dia...
e verás que o espelho não é teu;
és tu, tal e qual, reflexa epifania.
é-se sempre o avesso do próprio eu:
a substância feita do que pensam de ti
e das idéias que tens a teu respeito.

eis o leito seco da areia das palavras
perigosas porque rasas e movediças
aparentemente submissas, escravas
da tua mão ou da tua boca...
em verdade moucas, parvas e omissas
pretensas à autônoma eloqüência,
à barbárie e à inconseqüência castiça!

...

repara o fogo oculto no corpo da palavra.
por vezes somente a surda fagulha das línguas mortas,
a primitiva clava do verbo fendendo o gutural e pálido signo.
deixa que esse fogo seja, de fato, o ígneo feto de tua fala,
singular e claro objeto que, aos solavancos, resvala
no féretro lento que te serve de discurso.
deixa que o sopro deste movimento dê curso
ao incêndio, e cinge tua língua na fuligem
da retórica & da lógica carbonizadas!
deixa assim que, ao perigo do que está prestes a ser dito,
junte-se o desejo contrito de não dizer nada.

deixa, enfim, ao teu aflito interlocutor
o labor e o risco de compreender
ou teu silêncio, ou tuas palavras.

segunda-feira, setembro 19, 2005

morada
costuro a linha delgada de um corpo,
cosendo entre os dedos a invenção da vereda.
há varandas donde sobe-se à ventura de
vestir-se, num balanço que pulsa em flancos,
da altura do que podem as mãos e o olfato.

delineio um corpo denso e leve, com miríades de
espaços, microcaves onde abrigo os farelos
da semente, entre dentes que não rangem.
ouço a sede dos estreitos, leio a curva dos
esgarços mergulhados em estrelas que, já
mortas, deixam lá sua lâmina clara.

este corpo, imensado na fazenda lívida do que
engendro em mãos fabris, resolve ser
um prado, um mínimo arbusto, um busto mineral,
peito líquido de onda marinha, sarça que
baila e arde, marfim e óxido da tarde sobre
os olhos meus que descansam pardos.

sei que tardo em ter-te, sombra morada.
a vela que bruxuleia sobre o caminho que
leva ao nome, é o que indicia o vento, a
fome do ar que o fogo tem.

corpo que em vento desfaz-se, veloz campanário
reduz-se a cetim imaginário, fantasma que aperta
à roda o pulso... e lateja. veja que não medro,
à guisa de ciranda, habitar-te clandestino, até
que a estopa bêbada do desatino me lance,
flambada, à morada de asa : :

domingo, setembro 11, 2005

Fui assistir ao novo espetáculo da Cia Moderno de Dança sobre a ditadura militar no Brasil. Imagens impressionantes em música poderosa de Chico Buarque... Entre mortas e feridas sensações, perseguiu-me esta frase inicial de "Bom Conselho", que me fez acordar nesta madrugada de 11 de setembro (coincidência?), com motes girando em minha tonta e sonolenta cabeça... onde... está... meu... caderno...?...


Ouvindo Chico ou O Não Dito

inútil dormir, que a dor não passa.
inútil sonhar, que a cor não grassa.
inútil viver, que o fim não rasa.
inútil rezar, que deus não erra.

inútil errar, que o vento encerra.
inútil cerzir, que o fio esgarça.
inútil gostar, que o medo emperra.
inútil empurrar, que a fila é dupla.

inútil driblar, que o jogo é ganho.
inútil falar, que o som não cessa.
inútil saber, que a lei não sobra.
inútil cobrar, que o jugo aperta.

inútil lembrar, que a vista cansa.
inútil alcançar, que a meta é farsa.
inútil afastar, que a força é bruta.
inútil lutar, que a guerra é santa.

segunda-feira, setembro 05, 2005

fio de sangue

desfiz o fio de sangue que me deste
e que trazia atado ao pulso destro
mas sem despir, contudo, o que me veste
o agasalho morno do que sinto

longe de ti, no fundo labirinto
deponho a sanha rija que consome
e ao pé de mim, sei bem o que não minto:
a fome, a fé, a faca, o fogo claro

seguro nas mãos o segredo raro -
um punhado de relva corriqueira
escondo em aparente desamparo
a inteireza materna da terra

meu pulso nu, que a nada mais se aferra
meu coração, estampido vermelho
lutando anônimo em perdida guerra
o espelho insistindo no que existe

...e eis que o fio de sangue 'inda resiste.

quinta-feira, agosto 25, 2005

a pele

sempre escolho ficar aqui, onde há terra que piso
e onde sombra meu espanto, onde há ferida que
ronda o orgulho, erguido em paisagem dolorosa.

teimosamente encolho a rosa que se quer
desabrida e sem abrigo, à mercê de ser,
tão fulminante e bela, diamantes de minutos
sem subterfúgios, até que por si só ela
recolha seus encantos, e baixe a cabeça
lentamente, como quem morre satisfeito.

sempre embrulho meu próprio coração
em grossos papéis rudes de medo, e
volto a encarar, sem rosto, a chuva
que segue amolecendo tudo o que se
cobre, a lenta descoberta feita de
primaveras que irrompem em erupção.

a pele do que se esconde então arde
ainda que seja mouco o mundo,
ainda que manque a palavra desdita

sob a escrita dura do que seja tarde.

(escrita em dois atos, na contracapa do livro "aprendendo a viver", de clarice lispector... ainda não aprendi).

quarta-feira, agosto 17, 2005

a estrada

Houve esta noite, na semana passada, em que tive um sonho. Acordei e tinha uma imagem, que ficou reduzida à cinza de três palavras: estrada do esquecimento. Não sonhei com uma estrada, e nem ao menos me recordo de imagem alguma... mas tinha esta sensação, pobremente traduzida desta forma. Passados alguns dias, conversava com uma amiga que veio me visitar. Lia para ela trechos da conferência sobre o budismo, de Borges, e tive um insight: "caminha-se na estrada do esquecimento, e a cada passo, esquece-se, e isto é o conhecimento - saber é esquecer". Claro que lembrei imediatamente de Caeiro, e de uns escritos do Rubem Alves, mas sabia que ainda precisava escrever algo sobre. Então, no domingo, veio isto:


agora já sei sobre a estrada do esquecimento.
não um caminho que conduz a tal estado,
mas onde esquece-se ao trilhar.
esqueça a metáfora do vento que leva
lembranças, revolvendo-te os cabelos,
ou a imaginosa tez de vazio fabulário
que supões ser a carne desnuda da memória.
abandona histórias que ouviste do país
invisível, onde os espelhos mostram a ti
um rosto estrangeiro a cada visada.
reconhece apenas tua pisada, que se
renova a cada adiante alcançado
e ouve os recordos ruírem sem alarde
enquanto a tarde avança em rosa
e esquece do azul, devolvendo a noite.
recolhe-te à irrealidade do caminho
e faz teu ninho de pura pedra passageira.
ela ficará lá, muda testemunha, e tu segues.
eis o teu conhecimento: nada reter, enquanto
fluis. e teu poema escrito já não é mais teu.
a cada passo na estrada do esquecimento
mais saberás sobre nada, e nada vais
esperar do caminho, que na mesma
medida, te revelará tudo.

domingo, agosto 14, 2005

meu pai

meu pai vinha de lá das terras duras,
se chegava até mim, ainda menino
e dizia: “filho, amigos cabem
na palma de uma só mão.
um punhado de segredos
com que se pode contar”.


via meu pai descansar,
arranhando a minha mão na
aspereza de sua barba nascente,
ouvindo o gorjeio quente
de sua calma digestão.
parecia frágil então, deitado
co’a mão à testa, sorria
pelas arestas de sua engenharia.


dada hora, se erguia a cavalo
de batalha, o meu pai feito navalha
aparou-me as sobras, apontou-me
as cobras minúsculas camufladas
nas veredas do amor, e da solidão.


o meu pai foi pião, e rodopiou sozinho
construindo à roda um ninho onde pude
desembocar, amiúde, em meu caminho.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Tenho publicado poemas, e recebido sinais. Uns refulgem cá, outros lá... não importa. Tenho feito de meu exílio um rescaldo donde dou-me a conhecer melhor o que tenho. Terminei hoje o grande livro de conferências de Borges, Sete Noites (Max Limonad), que recomendo com paixão. Navalha foi escrito sob tais fulgores, e compartilho então de uma de suas inesquecíveis luminescências, de um Borges octogenário e cego:

"Não apenas o escritor, mas todo homem deve se lembrar de que os fatos da vida são um instrumento. Todas as coisas que lhe são dadas têm um sentido, ainda mais no caso do artista; tudo o que lhe acontece - inclusive humilhações, mágoas e infortúnios - funciona como argila, como material que deve ser aproveitado para sua arte. Lembrei disso num poema, onde falo do antigo alimento dos heróis: a humilhação, a infelicidade, a contradição. Essas coisas nos foram dadas para serem transformadas: fazer com que as circunstâncias miseráveis de nossa vida se tornem coisas eternas ou em vias de eternidade."

Jorge Luís Borges

terça-feira, agosto 09, 2005

navalha

solitariamente, escrevo
como sei que devo
à luz dos olhos de Borges
a espada incandescente
do que, ruminante, penso
como um dístico do imenso
que a um só tempo sinto
esse estranho labirinto
feito de vida ordinária
essa copa duvidosa
a rosa seca do dia
que ao me abrigar, precária
repete a sentença
obriga-me à lembrança,
mineração involuntária,
febre doida de palavras
ouve vagas retumbantes
sobre o peito da muralha
essa súbita navalha
brota sem filosofia
carrega-me a razão fria
desferindo seu quebranto
um inominável canto
vindo da noite vazia.

o passeio

na breve brecha do mundo que tive hoje, em regalia,
um passeio, rala clareira na mata fechada de meu exílio,
revi aquela esquina onde brindamos água,
fogo sulfuroso da tarde âmbar em nossos pés pervagantes.

o botequim anônimo murmurava sob
a conversa parca de tão pouca gente, e
notei o lugar onde nos sentamos - oh,
onde o brilho tresandante e perfumoso
dos teus pêlos longos escorria serpenteando
suavemente, um convite à fome.

havia alguém ocupando aquele espaço
cunhado a venturas... mas não fazia tanta
diferença. ainda ruminava a duvidosa
crença do que possa ter havido entre
aquela tarde clara e tal penumbra noturna,
sorridente como um homem coxo.

esse agora resignado a quedar-se,
oblíquo, nos assentos últimos, para
colher com o olhar a saudade líquida
do mundo.

terça-feira, agosto 02, 2005

forasteiro

porque ando triste
ando sem saber se vale
cada palavra que eu cale
calada da noite escura.

porque ando triste
juras rolam nas valetas
esboroam-se nas retas
rasgam-se no rude asfalto.

porque ando triste
arrasto sombras quietas
dessas alturas incertas
onde mora o que revelo.

porque ando triste
vago em cidade estrangeira
sem ter olhos que me queiram
beira estrada, forasteiro.

porque ando triste
chego ao último destino
bem pra lá do desatino
feito poeta primeiro.

terça-feira, julho 26, 2005

dia

contas ao tempo o teu secreto viço, e ele abriga-o, as mãos em concha. 

fazes de teu caminho costumeiro a vestimenta devoluta dos novos olhos, 

e assim tens o sorriso de um camponês, eivado de lírios brancos. 

repetes ao silêncio teu voto primeiro da clara sentença, 

e tua boca transborda de francas palavras, como mel em favos incontinentes. 

embebes a semente de tua mais líquida esperança, e então 

esqueces a erupção da flora, inevitável, relevo na relva murmurando sob teus pés. 

riscas ao passo doido, na avenida transida de ventos chuvosos, 

a tua escuridão repleta de folhas que caem, e o rumor 

da tua solidão embala as gotas perdidas pelas valetas. 

 emprestas tuas lágrimas às canções antigas que ouves, distraída, 

e enfim, como lentas estrelas moles de luz percorrida, deitas tua cabeça ao sonho.

sexta-feira, julho 22, 2005

Amarcord

faço versos como quem lambe
a delicada lâmina afiada
sobre o doce dorso da língua.

faço versos como quem míngua
na escuridão da casa vazia
donde a fera voraz se nutre.

faço versos como quem supre
a si mesmo, sob imensa febre,
sob o credo de tal choque.

faço versos como quem sopre
a brasa moribunda do fogo,
à fervura branda do sangue.

faço versos como quem, lânguido,
inconsciente, empalidece,
a delirar numa prece dúbia.

faço versos como quem nubla
a visão do caminho à sorte,
transfigurando a morte em lenda.

eu faço versos como quem lembra.

segunda-feira, julho 18, 2005

Ao coração fundo do oceano

queres escrever?
toma de tua lira, ou de tua ira,
mas ergue tua cabeça ao sonho
suave ou medonho que te cabe.

cava com tua coragem
e tuas próprias mãos
a câmara secreta que conduz
ao coração fundo do oceano.

observa, sem plano,
a densa fala do ultramar...
permite ensurdecerem-te as águas,
algas de algures,
álgebras do alagamento pleno.

esquece tua fabulária necessidade
do oxigênio, inflando teus pulmões
das abluções, das mágicas poções
em segredo translúcido das medusas...

abre-te, solícito, às musas da lentidão
e percebe, na tontura lívida do mergulho
que a pedra do teu orgulho pende ainda
em teu pescoço moço de poeta novo.

quinta-feira, julho 14, 2005

verve

em mim vive a verve a revirar-me, reverso...
vivo imerso no que, em mim, é miríade.
imolado, eivado de ventos que me viciam
na vertigem, na voragem de um doce abismo...

a folha seca

não vou te infligir o golpe de nenhuma culpa
se acaso a desculpa se abater, inevitável.
vou evitar a cicuta, a desordem sem escuta,
todo líquido inflamável.
vou sorvendo gota a gota a pergunta
silenciosa do teu ser inquestionável,
e assentir à sina rota, e à rota insegura do inefável.

não se aflija se me calo ao calor do que acontece.
só quem desce do seu salto sabe o calo que lhe cresce
e aparece assim sem mais, como relevo importuno.
sou tão vago, um gatuno, presa fácil da incerteza,
volta e meia vontade pisando em corda bamba,
um caixeiro viajante da mutreta e da muamba,
sou do rock, eu sou o samba, buginganga,
jóia rara que se dispara em bodoque.

se te incomodar o toque feito em verso de poema,
abandono meu esquema, queimo meus papéis no vento.
ainda restará o alento da fuligem espalhada,
escrita carbonizada que me dirá ao relento,
ao restolho mineral tornado de novo terra,
nutrindo de novo a fera vegetal que recrudesce,
incontinente, na prece erguida em verde folha.

haverá esta escolha de sentar-se à sua sombra
em dia de sol intenso.
não te espanta se o imenso resumir-se em folha seca
repousada em teu colo: minha cabeça
meus olhos, meu coração, o que penso
pousam breves, sem tormento, para guardares, ou não.

terça-feira, julho 12, 2005

A poesia começa

a poesia começa
no avesso:
não é comício
não é enxerto.

a poesia desconfia
do comércio:
não há preço
onde há verso.

Nu vem

secretas mansidões, adivinho
mansões do inverso ninho, sobrevôo
cordas plangidas na inconstância,
e tamanho silêncio submerso em meus braços.

tento a curva segura, dispersa
em vozes que confessam a fundura,
enumeram as origens sem pudor,
sob o frágil olor de um cálice de vinho.

secretas mansidões, advenho
donde o cenho cala-se resoluto.
envergo as sombras, nítido,
enganando entre tímido e evidente.

Imaginária

clareira à margem da nau precária
vaginação do olho
plenária percepção

inventário memorabilia
olhar que orvalha
ouro que avalia
válido chão

ímã grave, idade vária
gen primevo, planta virgem
desencaixe da palavra
pela lavra da miragem

imagem: ária-fuligem
da opereta visionária
soprando escuros sobre a nau precária
bêbada imaginação.

domingo, junho 12, 2005

a página branca

o dia acorda em prantos
e daqui do meu canto tento uns versos
passageiros, transeuntes, úmidos
um tísico em meio aos gigantes.
meu corpo segue sendo
sem dó de si, sem melodia
sem melodrama, meu corpo cede
sangue, senso, adagas do verbo
e sente, cedo na brancura,
a leve angústia quase imperceptível
do que está prestes a ser escrito.

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.