segunda-feira, dezembro 16, 2013

Passarinho


                                                     "i forgot to get high..." (Damon & Naomi)

bem-te-vi pequenininho
entre as frestas do caminho
no ninho do japiim a dizer
assim como quem abre os olhos:
sou um espírito antigo de mata e riacho
e colho das frutas sua porção de sonho

vi que era um bicho de asas
e que sua casa era
um chão sem primavera, pleno
da luz de Equador, e o vento
serenava a tarde, com
cochichos sobre as horas

passarinho de agora, de gaiola
à roda dos passos, avoando aos
tropeços, cantando pelos avessos
da viola em noite escura

vês que a vida só melhora
no teu voo de aventura
enquanto dura e doura a flora
e porque cora a formosura
e tanta feiura se adora.

quarta-feira, outubro 16, 2013

O olho do poeta

                                                          para Carol Magno
o olho do poeta
é porta entreaberta
às vezes incerta
seta enviesada, açoite

o olho do poeta
é a noite preta
inquieta, passada em claro
exagero raro, em riste

o olho triste espanta
gargalha mais que
a garganta do chiste

o olho empresta
a crosta lunar, a fresta
d'um lupanar em festa

o olho, mais que enxergar,
insiste em mostrar
o que nos resta.

sexta-feira, setembro 13, 2013

A luta


há os que escolhem fugir.

quanto a mim,
tenho o peito à mostra
em pleno calor da luta.

perguntas, sem dizer: és capaz de
sustentar à mão o caule delgado do tempo?
eu, que nada sei de respostas ao invisível
estremeço apenas, franco, e tanto quero.

o calor do verão exalta os autos.

relincham e guincham 
as ruelas exterminadas e 
inóspitas ao meio-dia.

há os que se refugiam à sombra.

quanto a mim,
revolvo a terra em pleno sol,
com meus cascos de touro.

o ouro dos tolos é a cega esperança.

a que tenho 
enxerga no escuro, e
chega perto do precipício.

prefiro o ofício do voo, e o ninho
lunar dos teus cabelos de ouro
ao choro sem peixes do decoro, à
pedra sem sonhos da incerteza. 

quinta-feira, agosto 08, 2013

Poemas paulistanos


desse olhar que me escapa
na descida do metrô
desse, onde não estou
na frondosa fonte decepa
o horizonte, o mirante, o pátio
do átrio mudo, esbraveja
de um copo de cerveja, inveja
a peleja sem entrega da fronte
diante do ato frio na multidão

dessa solidão resignada
donde a cortesia sofre o corte
da enxada entrincheirada
de certo desejo ou flerte
com a morte, a sorte, o ensejo
desse olhar em que não vejo
a mim ou ao outro, ensimesmado
arrumo os dentes enfileirados
sobre os lábios entreabertos
sem saber ao certo onde termina
o que imagina e o que desperto

desse olhar, o deserto sobreavisa
e pisa o peito no que resvala
e cala, suspeitando que comunica
o mínimo esgar do que não distraia
do que não caia na vala comum
dos desafetos da grande cidade
onde arde arde arde a sutura
entre a noite escura e o dia
no mais fundo que não sossega
na mais rasa filosofia.


quarta-feira, maio 01, 2013

Ao segundo dia

o tempo é o melhor caminho
este que trilhas como que
                                                sozinho
sem parecer que morres outro
que nasces muitos
                                   a cada minuto.

deixa que o tempo te cuide:
permaneças um viajante,
guardando e dourando
                                          memórias
como quem elege recortes.

abrevia teus cortes e sangrias
sob a malva e o cipreste
dos dias vindouros,
repensa o ouro do que sentes
afrouxa a faca entre os dentes
adornando o rebordo
                                        dos medos
com as flores de maio
com o mínimo raio que se enfresta
ao segundo dia da festa
ao se recordar entre os teus
que nasceste deus e poeta
e que apertas entre os dedos
                                         a destra clave 
de tudo que
               se abre, infesta, aflora.

o tempo, sabes, é tudo o que
há de melhor agora
sem negar suas dores
e que há de provar
                                    sua inexistência

(sua bela ciência de deus imaginado).

quarta-feira, abril 03, 2013

Canto pra Zé Celso

eu me empenho com afinco
                        e nunca minto
com o que sinto, penso e faço
                               aguento o tranco
tropeço mas não manco
em qualquer recinto
                                      e reexisto
cada vez mais firme e franco



eu sou risível, roto, e nunca
                                  me ressinto
de ser palhaço nesse mundo
                       enquanto canto
e não me espanto de ser
                                          rei num labirinto
se o que me espera é o mistério
                           aos quatro ventos



eu me oriento pelo caos
                                  por isso brinco
com ferro e zinco ergo a estrutura
                                   do que imanto
eu só invento no que vivo, e
                                                    nunca mímico
na arte cínico, cênico, sátiro,
                                                        zéfiro, santo.

terça-feira, janeiro 29, 2013

Sem Medida


abandonei o relógio de pulso
agora uso, pra marcar o tempo
cada momento da respiração
cada passo sem pressa

os impulsos do coração
nada mais que me impeça
de sorrir ao compasso lento
do pensamento livre da razão

nada de algemas, nem penas
que não sirvam ao voo leve
corolário dos poemas que trago
atados a braços firmes

nem mesmo às pernas tontas
remonto à mesma pisada
tenho os pés nus pela estrada
em vertigem de surpresa

agora só ponho a mesa
ao que realmente interessa:
minha fome mais espessa
a presa mais controversa

a que custa a chegar, mas pesa
na balança sem medida
a carne prenhe de vida
a conversa de lamparina acesa.

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.