terça-feira, dezembro 23, 2008

sobre o escuro, um muro de cal, pendente
estrelas circum-navegam brotos lilases.

nas frases, a gota mínima, o sangue arrefecido.
meu coração é um dente de leão que assopras,
pulveriza-se como um sonho na aurora.

toco o cristal que escorre do céu
e é como o seu ombro, a curva do charco,
a maciez imaginária de dez pessoas dormindo separadas
infensas ao enigma de inexistirem, mudas.

eu as abraço e reúno. não há saída.
revolvo a embriaguez do mundo nesse encontro.

tento. não consigo.


escrito a quatro mãos com Jorgeana Braga, 22.dez.2008, msn, 23:00:15.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Canto Quieto

ergo um canto que não fala
rarefeito, se esgueira à maneira de ser
sussurra a prosa calada
cavalgada flecheira na ladeira a descer

sem parecer, se depara com o que não se vê
evidente como agora há vento lá fora a dizer
nada que já não se saiba no silêncio de crer
cresce sem ter onde caiba, cobrindo a muralha de fé

rego o afeto, enfeito a loa
canto a toada quieta, a secreta manhã
emaranhado acorde, asa sobrevoando aberta
na deserta canção

sem perecer, desampara entre o sim e o não
obscura como ainda há lida entre o céu e o chão
tudo quanto não se saiba cabe num estreito vão
vara o tempo e não se acaba a curva invisível do som.


*letra escrita para melodia de Leandro Dias

quarta-feira, outubro 29, 2008

deus dará

criarás no cais o além-mar
e o que irás buscar
na vaga inventada virá

viverás do que entardecer
no escuro de crer
na fresta orvalhada de ver

e verás que o medo cessará
e será o enredo de outra história
glória tanta de cantar

saberás que a tez da canção
que trazes à mão
redime o malgrado sofrer

e darás ao vento essa cor
o corpo da flor
perfume invencível de ser

e serás o véu que se abrirá
e revelará o vão da memória
onde mora o deus dará
e ao acordar, recordarás...

terça-feira, julho 01, 2008

Perifeérico

I

à margem há miragens tantas

imaginações que cantam prontas

neste círculo pensante

diante da vida bruta recolho

o ouro e a prata do olho

se calho de estar adiante

vanguarda do tempo perdido

tangências do inadvertido

império da fera invisível

invencionice do impulso

feérico e ingênuo recurso

corsário de um só mar incrível.

II

cravada na pele, feria

a maquinaria da lira incontida

a destemida periferia do incriado

o estrado roído de zombaria

erguido em noites vadias

o leito de rês suburbana

dormia varado de sonho

tamanho era o lanho no ventre

que entre o espasmo e o grito

nasciam meninos sem conta

e tanto que canta o poema

perifeérico encena

a sina do engenho esquecido

o rito de sanha obscena

da pena riscando um sentido.

terça-feira, abril 29, 2008

Queridos Amigos

meus queridos amigos, abrigos no éter do tempo,
amados cavaleiros das cruzadas primeiras,
onde estais vós, companheiros na rua da infância,
vozes no pátio vazio, célebres e ruidosos vadios?

vai longe a louca viagem, a bagagem sonolenta,
o destino sorteado no baralho.
evoco suas presenças docemente...

ergamos taças cheias do vinho consternado,
da lição derradeira, da invencível fagulha do perigo
– da vida, queridos e bravos amigos,
que nos abandona à deriva, mas que, viva,
nos torna feliz memória, história florida na mão,
paixão da sangria incontida.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

pedra filosofal

minha consciência pesa viva na balança
carne fresca de primeira razão
minha consciência é pedra no teto de vidro
de quem esconde ouro feito ladrão
pesa quanto vale, cale-se quem não se sabe
sacro cálice de seu coração
couraça, caroço, grotão, gruta escura
grão de bico quieto, feto de furacão

minha consciência perde a paciência
com tanta ciência douta no que é banal
d’outra forma, o que não se aprende sente-se,
que isso depende de um mistério ancestral
conscientemente, mente-se quando se prende
a consciência entre o bem e o mal
peso da prosódia fatal, fado diferente
em que pese a pedra filosofal.

*poema escrito para música de Felipe Cordeiro & Renato Torres.

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.