quarta-feira, abril 15, 2020

Vírus coroado





da janela do exílio
vejo o martírio lento da população
a dar de ombros, ou simplesmente
a não ter escolhas: é preciso trabalhar

suas panelas vazias recolhem
a água da única torneira comunitária
e aguardam o momento
de cozerem algo de comer
(não há tempo ou chance de bater
porque é preciso ter água)

de um palanque de privilégios
vejo o sacrilégio de outra parte da população
que mal vê o que de fato os infecta:
a sombra abjeta da abominação
em não perceberem-se parte
de sua própria cidade, de seu próprio povo

de um isolamento novo
(aquele que foi decretado, imposto pelo jugo)
os navegantes virtuais elegem
seu verdugo predileto, seu dileto inimigo
e põem-se voluntariamente
ao abrigo da tecnologia, sentindo falta
de como se isolavam antes

no país dos distantes
me vejo diante da morte iminente:
o egoísmo coletivo, primo do inconsciente
sobe ao cadafalso, o pescoço atado a laço
aguarda o salto no escuro mistério
da vida que a morte traz pelo braço.

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.