quarta-feira, agosto 17, 2005

a estrada

Houve esta noite, na semana passada, em que tive um sonho. Acordei e tinha uma imagem, que ficou reduzida à cinza de três palavras: estrada do esquecimento. Não sonhei com uma estrada, e nem ao menos me recordo de imagem alguma... mas tinha esta sensação, pobremente traduzida desta forma. Passados alguns dias, conversava com uma amiga que veio me visitar. Lia para ela trechos da conferência sobre o budismo, de Borges, e tive um insight: "caminha-se na estrada do esquecimento, e a cada passo, esquece-se, e isto é o conhecimento - saber é esquecer". Claro que lembrei imediatamente de Caeiro, e de uns escritos do Rubem Alves, mas sabia que ainda precisava escrever algo sobre. Então, no domingo, veio isto:


agora já sei sobre a estrada do esquecimento.
não um caminho que conduz a tal estado,
mas onde esquece-se ao trilhar.
esqueça a metáfora do vento que leva
lembranças, revolvendo-te os cabelos,
ou a imaginosa tez de vazio fabulário
que supões ser a carne desnuda da memória.
abandona histórias que ouviste do país
invisível, onde os espelhos mostram a ti
um rosto estrangeiro a cada visada.
reconhece apenas tua pisada, que se
renova a cada adiante alcançado
e ouve os recordos ruírem sem alarde
enquanto a tarde avança em rosa
e esquece do azul, devolvendo a noite.
recolhe-te à irrealidade do caminho
e faz teu ninho de pura pedra passageira.
ela ficará lá, muda testemunha, e tu segues.
eis o teu conhecimento: nada reter, enquanto
fluis. e teu poema escrito já não é mais teu.
a cada passo na estrada do esquecimento
mais saberás sobre nada, e nada vais
esperar do caminho, que na mesma
medida, te revelará tudo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Confesso, amigo, que a estrada do esquecimento muito me aflige. eu tenho medo.


boa noite.

te amo.

Anônimo disse...

também a mim me assusta, tão real que é. porém sempre existirá o consolo de o caminho ser estrada ainda quando o térreo já passou. digo - prender-se ao infinitesimal de tudo - ao nada, ah, renato... quero crer que qualquer coisa fica, sim, e que o sentimento é corpóreo e não se é só nesse mundo! ao inferno a metafísica, deixai ser, e ser simples! (............a eterna reticência do não saber.)

Anônimo disse...

Renato...
Este seu poema me diz tanto...
Adorei ter passado por aqui.
Um abraço

Anônimo disse...

Renato

Adorei o convite
O blog esta lindo
Beijo grande

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.