sábado, dezembro 24, 2011

Uma Outra Primavera



há no Natal uma porção grande 
de renasceres:
como se, de súbito, o fato de veres
varasse as extremidades do olhar
e então o mar da tua infância trotasse,
impossível, como um sonho acordado
e os brados relutassem, num tolo conflito
entre a mágoa e a quimera.

como se fosse uma outra Primavera,
vem esse dia dourar-nos memórias,
e as novas alegrias e velhas histórias
dão-se as mãos, sem pudor algum
apenas para que um torne-se miríades,
e as lápides tornem-se lépidas, alvas
como lebres, a correr distância,

e todas as ânsias cessem, porque
renasces nesse, e em todos os momentos
em que permites que novos ventos
vergastem tua antiga morada.

segunda-feira, dezembro 12, 2011

Beleza Verdadeira

Toma de asssalto a tarde:
faz tinir a brevidade do riso
escolhe correr pelas calçadas
alça teu voo rasante
diante da plateia distraída.

Faz do escuro um rescaldo nítido:

acena para a longínqua explosão
inevitada, e afaga teu coração,
alarga teu coração, alegra teu
coração ao sangramento - que
é dentro onde crestam luzes.

Deixa tudo ser à solitude:
abençoa os rudes, compreende-lhes
a verossimilhança, a criança
amuada dos dias difíceis.


Opera teu júbilo secreto, e apesar
resolve o pulsar na entrega
incondicional da beleza verdadeira.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Oração

Nossa senhora dos afetos
nos livrai dos preconceitos
ensinai-nos o alfabeto 
dos afetos e respeitos


Ó senhora dos inquietos
mãe irmã dos desacertos
te ofertamos todo aberto
este sacroincerto peito


Tudo o que não tem mais jeito
qualquer defeito melhoras
com teu olhar de senhora
santa pletora dos feitos


Ave Maria dos aflitos
abençoe nossos gritos
tende misericórdia dos atos
desses pais, filhos e netos


Nossa senhora dos afetos
rogai por nós, proscritos
agora, e nos tempos infinitos
santa mãe dos incorretos.

sábado, outubro 08, 2011

Pilatos Song

mantenha as mãos sobre a mesa 
pra saberes quanto pesa. deixe-as 
a vista, não insista na conversa, 
não permita que elas digam 
o que tua voz omite. 

veja, criança do mundo, 
o que é o fundo do que 
estás a cavar sem descanso. 
é na tua esperança, tonta 
como um morcego na manhã, 
que teus pés pisam confiantes, 
antes do exílio inevitável. 

é no destino vivo da estrada 
que agora percorres, o brinquedo 
distraído de um sentido necessário, 
o teu santo remédio. 
aí o tédio delimita conquistas, 
sublinha as derrotas com tinta atroz, 
e prepara-te ao fogueiral 
de um júbilo novo. 

deixa que tuas mãos provem, 
ao crivo do que é fatal, 
onde está o mal na água 
que as lava, indiferente.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Recado para G.H.

É bem provável que, no escuro abandonado

permaneça o ignorado perfume do que és,

o baixo relevo dos teus pés fincados antes

que o caminho brotasse, tua prima fonte.


É possível até que, dos princípios esquecidos

restem senhas, hieroglifos que apontem os fins

de tanta ânsia, e assim reconheças,

antes que desapareça, a tua vera miragem.


É capaz então que, à tua estreita passagem,

suceda lograres saber sem medida –

O estofo da vida te será visível

tal como o nível inconstante das marés.

segunda-feira, julho 11, 2011

Provérbios

Nada é o que parece
quando cresce a olhos vistos
os seus cistos
sua impáfia muda, seu
escudo avaro.

O barato sai mais caro
se precário seu legado
se passada a validade
sua idade aguda,
o seu novo engodo.

Todo santo ajuda a queda
quando a perda surpreende
se entende-se
a verdade,
sua lei muda, sua
gravidade.

segunda-feira, maio 02, 2011

Reinado de um homem no chão

"Meu reino por um cavalo!" - disse uma vez o monarca,

atado ao chão por uma arcada, a outra

atracada num céu deserto.


"Meu trono por um galope qualquer!" - diria mais tarde,

os olhos ardentes de água, tolo e

afogueado, no dia de sua estrela.


Eram dias daquela crença firme em cavalos alados,

e que o mínimo trotar tornava qualquer homem

num centauro lúbrico, irresistível.


"Meu chão por qualquer pasto invisível!" - rugiu na madrugada,

mas nada o demovia daquela ideia de que era um faminto.

Sentia nos ossos esbaterem-se borbulhos, a medula íngreme,

um instinto de morte, ou qualquer sorte modesta.

A festa de seu povo já estourava longe na manhã.


Foi quando se deu a perceber entranhado no chão, os pés

feito raízes aéreas, e outras forças etéreas evolando-se

através dos olhos e da boca, uma canção esquecida pairava,

a roca lendária fiava seu destino lírico, a aldrava em silêncio.


Renascia.

terça-feira, abril 05, 2011

Canto Tonto

não se ocupe do que sinto
tenho em mim um labirinto
cuja natureza minto
ao compor esta canção

tão cansado das esquinas
da trapaça das neblinas
sigo o rastro que destina
ao encontro da razão

e resolvo a talho cego
todo enigma que nego
tanto que o desassossego
me acompanha desde então

desde antigos carnavais
onde máscaras e ais
eram enredos desiguais
descompasso da ilusão.

não se preocupe tanto
só me dê esse desconto
canto, e posso por enquanto
não ter qu
alquer direção

contudo, não me contento
em soprar aos quatro ventos
sei que a qualquer momento
meus pés vão tocar o chão

mas meu pouso será breve
tenho a consciência leve
e o que digo só se escreve
com tinta do coração

não careço, então, de pena
de tudo o que me condena
reconstruo meu poema
dilema sem solução.


quinta-feira, janeiro 20, 2011

Intuição

a vida evita atrasos
os prazos são curtos
há curto-circuitos na indecisão

por isso entrego-me
ao cego percurso
ao mais puro intuito, e à intuição

com a inteireza
dos cinco sentidos
e o infinitivo verbo do querer

a quem interessa
recursos sem preço,
amores sem pressa, eis meu parecer:

conheço vestígios de sangue e fuligem
no que se alvoroça o viço recente,
e vejo na espera a fera que dorme
no óxido disforme, na paz do descrente.

o que desconheço deixo enviesado,
meu vício calado é olhar bem no fundo,
na dura quimera queimada a balaço
douro meu cansaço nas dores do mundo.

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.