quarta-feira, julho 27, 2016

Bruxismo

                                                                            para Lou Reed

trincam-me os dentes à noite
rachando sob o peso dos sonhos

o seu mármore inquieto range

sob o firmamento calado

entre o ronco e o enfado

o estômago aflige o esôfago
num afago ácido de onda

demanda de si a barganha

da rinha cotidiana irresoluta

inflama a luta desigual

entre o possível e o improvável

rompe, do siso ao juízo,

o seu improvisado diamante

dentifrícios e antissépticos 

ardem sua fogueira deliberada.

trancam-me os dentes à chave
pra fora do corpo dormente:
lá dentro esbatem-se as palavras
como minúsculas serpentes sob a língua
(
na água escura da noite gemem
como as tábuas de um velho barco)

sob o arco abobadado, cravado 
de aftas e abcessos, assoma o recomeço
um acesso cauterizado pela dor

a arca corroída se abre em nervos

através do canal devastado

malgrado o dever involuntário

da moenda e guilhotina diárias
a arcada dentária enverga
sua moldura identitária no riso
ou na fúria que nela se imprime - 
ou reprime - num bruxismo insone.

10 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

Tudo é motivo para poesia. Até a dor...

Renato Torres disse...

Maini,

a dor seja, talvez, o principal deles...

abraços!

r

Marcela Conor disse...

Bruxismo insone é o mais destruidor... Do apertamento ao desgaste irreversível!
Bjo amigo. Saudade. Maravilhoso.

Gabriela Gonçalves disse...

Lindo amigo!! Lindo!

Renato Torres disse...

Bibi,

feliz com teu gostar, e tua visita a esta minha esquecida casa de palavras...

beijos,

r

Z.A. Feitosa disse...

Obrigado por partilhar a contundência de sua poesia.

Renato Torres disse...

Marcela,

nossos dentes trincados são a comporta em ruínas da contemporaneidade... havemos de ultrapassar essa condição.

beijos e saudades, sempre!

r

Renato Torres disse...

Z.A. Feitosa,

e eu agradeço a generosidade em visitar e comentar.

abraços!

r

Wagner Leite disse...

Se o Lou pudesse ler estes versos diria:
Minhas cagadas são melhores que os diamantes de outros

Renato Torres disse...

Wag,

hahaha, sim! e diria que os dentes podres são o sorriso do lado selvagem...

beijos,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.