quinta-feira, julho 14, 2005

a folha seca

não vou te infligir o golpe de nenhuma culpa
se acaso a desculpa se abater, inevitável.
vou evitar a cicuta, a desordem sem escuta,
todo líquido inflamável.
vou sorvendo gota a gota a pergunta
silenciosa do teu ser inquestionável,
e assentir à sina rota, e à rota insegura do inefável.

não se aflija se me calo ao calor do que acontece.
só quem desce do seu salto sabe o calo que lhe cresce
e aparece assim sem mais, como relevo importuno.
sou tão vago, um gatuno, presa fácil da incerteza,
volta e meia vontade pisando em corda bamba,
um caixeiro viajante da mutreta e da muamba,
sou do rock, eu sou o samba, buginganga,
jóia rara que se dispara em bodoque.

se te incomodar o toque feito em verso de poema,
abandono meu esquema, queimo meus papéis no vento.
ainda restará o alento da fuligem espalhada,
escrita carbonizada que me dirá ao relento,
ao restolho mineral tornado de novo terra,
nutrindo de novo a fera vegetal que recrudesce,
incontinente, na prece erguida em verde folha.

haverá esta escolha de sentar-se à sua sombra
em dia de sol intenso.
não te espanta se o imenso resumir-se em folha seca
repousada em teu colo: minha cabeça
meus olhos, meu coração, o que penso
pousam breves, sem tormento, para guardares, ou não.

6 comentários:

Anônimo disse...

Lindo isso!
Adoro teus escritos!
Beijo!

Anônimo disse...

oi renato... vim visitar seu blog, porque ví seu perfil no orkut e achei maravilhoso o que lá está escrito "esconder o rosto não significa não ser visto:antes
perdes tu a visão do imprevisto."e aqui encontro tantas outras cosias lindas ,como essa folha seca ,que toca fundo quem não esconde o rosto e tenta ler em cada letra um bocadinho da sua alma...viva o poeta...beijo e upa ;-*

Fabiana Leite disse...

essa folha seca é de uma beleza... já li e reli inúmeras vezes. nos torna simples na dor e nos traz à simplicidade como eixo de equilíbrio. sempre que volto neste verso me acalmo. é possível integridade na dor. de lindo já se sabe livro.

Renato Torres disse...

Fernanda,

mesmo bem tarde, agradeço tua leitura e teu gostar!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Raquel,

lindo teres me lido, há tanto tempo, esse trecho de "Identidade" que citaste, e teres vindo aqui... me perdoe o silêncio, acabei passando batido em responder ao seu comentário. mas antes tarde que nunca!

um beijo,

r

Renato Torres disse...

Fabiana,

tu és de uma beleza que me cativa desde o primeiro momento... o teu carinho e atenção ao que escrevo me alimentam e consolam, e fazem-me acreditar mais ainda nessa amizade anunciada e acalentada à distância... minhas folhas secas são pra ti!

beijos,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.