terça-feira, fevereiro 18, 2014

três meninos


não deixo de ver a mim mesmo
no rosto tenso do garoto
que me assalta.

    não lhe falta a tez robusta
que a juventude lhe empresta
    mas de mim toma, rude, à custa
de esbravejar, de brandir a arma de fogo
    sob o jugo de um malogro
em que eu caio,
e minha amiga, desesperada.

sai, exasperada, à luz fria do meio-dia
    aquela cenografia cínica do assalto
à mão armada - e eram três, repetidos
    sob o aplique lerdo da tarja preta
três meninos sujos pelo esperma do capeta
    ou que apertam a arma que a governança
comenta, entre os comes e bebes da província.

    não deixo de ver a mim, à minúcia
de ser eu mesmo vítima e a iminência criminosa
    já que a rosa do povo jaz, soturna
à viva-voz, em plena esquina diurna
    depauperada aos chorumes da vala mal cheirosa.

16 comentários:

edson coelho disse...

eita, renato, que a poesia era mesmo a única a sublimar um troço desses. vamos logo beber uma cerveja, meu amigo.

Renato Torres disse...

Edson,

pois sim, foi mesmo uma experiência terrível, e da qual senti que não sairia um pouco mais tranquilo se não escrevesse sobre. Belém - como de resto o Brasil - arde na brasa lenta do crime, que engatinha ameaçador desde a infância.

abraços, mano! vamos marcar essa cerveja!

r

Edir Gaya disse...

Só você mesmo para sair de um trauma tão profundo quanto esse com um poema tão intenso de palavra e sentimento.

Neuton Filho disse...

Gostei, forte e leve.

Unknown disse...

esse é dos fodas com PH...
pelo que conheço, você está cada vez mais técnico...as palavras pingando como uma chuva depois da seca: pouca,suficiente e definitiva para a vida renascer.
abrs mano

Renato Torres disse...

Gaya,

eu não tinha outra saída, irmão... ou escrevia o que escrevi, ou virava presa fácil da revolta, do julgamento cínico, da vitimização auto-eximida de qualquer responsabilidade.

abraços,

r

Renato Torres disse...

Neuton,

sim, sem dúvida é um texto forte, porque a experiência foi forte... a leveza deixo ao teu olhar. contudo, depois de escrevê-lo, indubitavelmente me saiu um peso opressor - e que me revelava um opressor.

abraços,

r

Renato Torres disse...

Luciano,

que belo comentário! mas não sei dizer se estou, de fato, me tornando mais "técnico", ou menos emocional... na verdade, me sinto o mesmo de sempre. mas sem dúvida que os anos de poesia constante vão mostrando suas colheitas. em breve, o livro!

abraços, meu mano querido!

r

Tere Tavares disse...

Contundente como a sombria realidade que graça (sem graça) nos ermos mudos desse des-mundo...e que venha logo esse livro!
Beijo amigo

Patrícia Rameiro disse...

.

Girândolas disse...

Desmorrer um pouco nessa vida, meu irmão. A (tua) poesia cumpre o fado: vence o dia.
Abraços,
Daniel Leite

Príamo disse...

Muito bom Renato! Parabéns pela criança.

Renato Torres disse...

Tere,

o des-mundo nos surpreende às esquinas, em plena luz do dia. o livro está a caminho, minha amiga... e te agradeço por teres sempre sido uma torcedora vivaz do advento dele!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Daniel,

de fato, a poesia pode nos ajudar a sublimar experiências tais... mas é bom lembrar que o mundo das palavras nem sempre é misericordioso... tive sorte delas não me desampararem desta feita...

abraços, querido irmão!

r

Renato Torres disse...

Príamo,

no caso, três crianças, né? ou quatro, se te referes também ao poema... ainda que este não tenha o mesmo nível de delinquência daquelas que me assaltaram, refaço o caminho, pelo prazer de tua leitura, mano...!

abraços,

r

Renato Torres disse...

Patrícia,

sendo tu a amiga desesperada, que viveu comigo essa desventura, entenderei teu ponto como a bala engasgada: a que ficou parada na garganta, o grito abala, o tiro, a navalha, o furo, a sutura, o medo comprimido, o coração ferido, a injúria, o não-dito, o inaudito, o momento exato, o local no mapa do mundo, o buraco, o fundo, o fato imundo, o cu do subúrbio, o ponto. e fim.

te amo,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.