terça-feira, outubro 30, 2012

Pátria de Sermos

Na noite do dia 28 de dezembro de 2006, conversava com minha amiga portuguesa Luísa Mota pelo msn (nessa época, esse comunicador ainda era bastante popular e útil, pelo menos pra mim). Nossas conversas, sempre travadas com fulgor e intensidade das verdadeiras amizades, chegavam, por vezes, a pontos brilhantes, de profunda emoção, como quando certa vez chorei ao ver, pela web cam, sua pequena filha a dançar e rodopiar na sala de seu apartamento de então. Luísa (hoje Ribas, porque casou-se com o também poeta e artista visual carioca Renato Ribas), sempre foi uma "amiga virtual" - nunca nos vimos de perto - mas sua amizade sincera, a grandeza evidente de seu caráter, e seu imenso e sensível talento como poeta, nos fizeram amigos reais, bem mais que muita gente que vejo de perto cá em minha cidade, e a sei leitora atenta de meus escritos.
Gosto de escrever a quatro mãos, e já publiquei algumas parcerias na Página Branca; estranhamente, ainda não havia publicado esta, que nasceu nessa noite como substrato de uma de nossas conversas mais profícuas. O poema, construído verso a verso como num diálogo, tornou-se desde o ano passado o encerramento do espetáculo De Tudo: música+poesia, que realizo com o poeta Renato Gusmão, e o considero emblemático de tudo o que representa ser poeta: um diálogo com algo que não se vê, mas se sente profundamente, como os amigos invisíveis das crianças. Serei sempre eternamente agradecido, Senhora Lua...


 
vive mais poesia no olhar
do que nos objetos - afetos de brisa
que fitam palavras de ternura
balançam nas juras que o vento paralisa

versos celebrados em candura
que nenhuma escura voz poderá obliterar
nossa escritura vincular ilimitada

a espada de lírios que empunhas absorta
imensidade cumprida em segredo sideral
assusta, deveras, os que compreendem mal

mas exalta o universo dos que amam

há mais poesia porque dela floresces
como as medusas das praias nuas
como absintos das ruas e vielas multicores

rédeas e rodopios da vida -
a que consentes, a que conquistas
a que vences sem armas, com beijos

na planície, sob a aurora do desejo
marcha de sonho e um reino florido
para teu povo - a gema límpida do futuro

pátria de sermos

17 comentários:

Madalena Barranco disse...

Palavras de ternura, medusas, sonhos e universos contidos numa belíssima poesia!!

Esse poema me lembra algo... não sei já o tinha lido, mas, adorei degustar cada verso pela arte da queridíssima fadinha Luísa e do querido amigo Renato.

Beijos aos dois poetas

Luísa Ribas disse...

Como é bom ter amigos. Amigos com A grande ou tão simplesmente amigos de verdade, que nutrem entre si indubitável sentimento de afeição.

Renato Torres...meu amigo dos não-lugares. Renato Torres, o poeta, o músico.
Aquele que canta os laços cordiais das palavras: amizade, amor, vida...!

E já somos amigos há tanto tempo, vivemos momentos ímpares na troca de sentimentos sinceros, através da poesia.

Renasces nos teus versos cadenciados, filhos de tua alma etérea e pura. Um verdadeiro artista. Líquido, que corre nas veias poéticas da vida.

Fonema. Livre. As tuas palavras rimam com o sexto sentido. São constituintes e movem-se com facilidade, têm volume próprio.

Obrigada por este presente, por guardares com carinho aqueles momentos e a nossa amizade.

Um beijinho,
Luísa

Flaviane Leão disse...

Enternurada!!

Flaviane Leão disse...

Enternurada!

MIlenaMarília disse...

E para que se 'viver mais poesia no olhar" :
viver para poetar é deixar o olhar branco. brando. absorto. torto. todo.

Ana Guimarães disse...

Muito lindo.
Amizade é uma pátria onde sempre cabe mais um.
Beijos nos dois!

Palo disse...

pátria de sermos

Palo disse...

pátria de sermos

Renato Torres disse...

Madalena,

talvez o tenhas lido... talvez o tenhas recordado d'algum sonho - repositório dos poemas que nasceram, nascem e nascerão. tua presença entre nós é certeza de uma ternura sempre renovada.

beijo,

r

Vitor Nina disse...

Vencer sem armas o Leviatã e a Grande Serpente... Apenas através do corpo e da imanência, do caminho solitário e liberto, ser Camelo, Leão e, finalmente, Criança! E após tantas viagens, marejado e cortado, ainda ter coragem de negar Zaratustra! Ou de devorar a Baleia... Mas nem dói nada, pesa tal qual a mão de uma criança, o amor é eterna inocência, não, querido mestre? O Cavaleiro da Triste Figura ainda teima em usar suas vestes e jamais estará nu: arte é tear!

Vitor Nina disse...

Vencer sem armas o Leviatã e a Grande Serpente... Apenas através do corpo e da imanência, do caminho solitário e liberto, ser Camelo, Leão e, finalmente, Criança! E após tantas viagens, marejado e cortado, ainda ter coragem de negar Zaratustra! Ou de devorar a Baleia... Mas nem dói nada, pesa tal qual a mão de uma criança, o amor é eterna inocência, não, querido mestre? O Cavaleiro da Triste Figura ainda teima em usar suas vestes e jamais estará nu: arte é tear!

Renato Torres disse...

Luísa...

recebi um presente de uma amiga recente, Flaviane Leão, que ama poesia, e ama o que faço: um livro com as páginas em branco, para que eu escreva (volte a escrever!) à mão, porque tenho escrito deveras de forma digital... o presente chegou, imediatamente pus-me a escrever, e veio-me à memória este belo texto que tecemos juntos. jamais deixarei de me emocionar com a força e a potência lírica contida nessas palavras: "há mais poesia porque dela floresces (...) há mais poesia no olhar que nos objetos"... por tudo isso te digo: amo a você, e a tudo que te cerca, sua linda família, meu xará que cuida muito bem de ti, e a dádiva de ter sua amizade, hoje como sempre, certeira como sóis e luas, pela eternidade...

beijos de muita gratidão, minha amiga!

r

Renato Torres disse...

Flaviane,

e eu, agradecido!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Milena,

a frase que citas é antes uma afirmação que um conselho - veja. para nós, a poesia está antes no olhos que na natureza, o que, é claro, podes contestar a qualquer momento. no fundo, poesia é a liberdade de ver a tudo como se queira: todo.

beijos,

r

Renato Torres disse...

Ana,

de fato, a amizade é o lugar de tudo caber, inclusive as diferenças e contradições. é o primeiro nome do amor, pois...

beijos!

r

Renato Torres disse...

Palo,

e de sabermo-nos...

beijos,

r

Renato Torres disse...

Vitor,

sim, o cavaleiro jamais desiste, eis porque se torna eterno, icônico! seremos sempre esta fresta entre o mar e o céu, a nesga luminosa, o encontro do que parece impossível... sigamos juntos, amigo, irmão...!

abraços,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.