quinta-feira, dezembro 30, 2010

Canção

teu desejo abre os braços e morre
e a fome do mundo resgata
o que dia após dia te ocorre
reluzindo num punhal de prata

essa capa indecente te tolhe
e teu sonho abafado se inquieta
e projeta-se ao longo da prole
essa febre da carne poeta

e o pior: não há um lugar que te esconda
porque tudo em ti é uma afronta
é melhor te dizeres depressa
ou senão, perdes tua cabeça.

paga o preço do que te socorre,
essas noites que passas em claro
esculpindo sintaxes num porre
transbordando de teu dicionário

cada brasa que sopras te chama
e na cama não há mais descanso
o teu nome é uma pedra na grama
onde erras teu próximo passo

por menor que seja, o risco te abraça
os abutres roem tua carcaça
e o maior dos teus medos te mede:
não há água que mate a tua sede.

(ilusão é um sangue que escorre
coração, um segredo que sorri
um segundo é um século que encolhe
a canção é o silêncio que explode).

12 comentários:

alma disse...

Renato,

Mais que uma canção, uma quase ode que me ode.

bj

Lígia Saavedra disse...

Renato, como sua fã e seguidora te confesso que estou envaidecida com este poema.
Quero dizer que ele me conta da essência desse poeta que vc
desnuda em versos crus enquanto a "ilusão é um sangue que escorre..."

É maravilhoso ler você, amigo!

Feliz 2011!

Madalena Barranco disse...

Renato, querido poeta,

Você liberta a ilusão do "tempo", mas mostra que para isso, é preciso deixar que o água siga seu curso, seja ela vermelhas, ou não.

Beijos, Madá

Renato Torres disse...

Eduarda,

uma ode ao próprio poeta, sem dúvida, mas também à própria condição humana, nosso fado em criar.

beijo,

r

Renato Torres disse...

Lígia,

esse poeta em essência é o que todos somos, minha querida, e tens todo direito de te sentires assim, pois foi algo escrito senão para louvar, pelo menos para expor delícias e agruras deste ofício da escritura.

beijos!

r

Renato Torres disse...

Madalena,

esses rios rubros que seguem curso através de nossos meridianos são como clepsidras secretos, empurrando-nos a existência na direção do futuro. carecemos da explosão criativa tanto quanto desse bombeamento íntimo, nascido no lado esquerdo do peito.

um beijo!

r

antes blog do que nunca! disse...

Querido amigo, o que escrever depois das tuas palavras, a não ser deixar o silêncio explodir o maior dos sentimentos: canção de amor!

1 Bj*
Luísa

Tere Tavares disse...

Não apenas rimas e notas, brotas vivas de emoção e amor - encanto!
Aplausos

Renato Torres disse...

Luísa,

"Canção" foi composto para uma melodia que criei, e que permaneceu engavetada durante algum tempo, sem resposta. quando resolvi escrever, não sabia bem o que poderia dizer, assim, ela foi "se dizendo". mais uma vez, o tema recorrente de meus poemas: o próprio ofício de escrever, seus percursos, e (des)limites.

sempre um prazer te receber, amiga!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Tere,

é realmente emocionante quando escrevemos, e sentimos que o resultado se aproxima daquilo que intentamos. há os que se incomodam com uma suposta "ausência de perfeição" em quesitos estéticos - o que é bastante relativo e discutível. a mim, o que importa é exatamente o que disseste: a emoção e o amor que emanam da criação.

beijos,

r

RENATO GUSMÃO disse...

Daqui do porto do Pessoa
tropel de poemas
eis a palavra

Renato Gusmão

Renato Torres disse...

Gusmão,

irmão: estamos juntos, na palavra e na canção... agradeço sempre a parceria!

abraços!

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.