quarta-feira, outubro 29, 2008

deus dará

criarás no cais o além-mar
e o que irás buscar
na vaga inventada virá

viverás do que entardecer
no escuro de crer
na fresta orvalhada de ver

e verás que o medo cessará
e será o enredo de outra história
glória tanta de cantar

saberás que a tez da canção
que trazes à mão
redime o malgrado sofrer

e darás ao vento essa cor
o corpo da flor
perfume invencível de ser

e serás o véu que se abrirá
e revelará o vão da memória
onde mora o deus dará
e ao acordar, recordarás...

18 comentários:

VFC disse...

o artista que sonha e que engendra nesse sonhar novos mundos - o sonhador que cria e que movimenta nesse criar novos sonhares. Ir vivendo dessa forma, simplesmente aceitando que o ser-humano está condenado a criar. Essa é a chave para aquilo que disse outro dia sobre o esvaziamento de todos os enunciados. Arte é acontecimento, ato, gesto, ou não é nada.

Anônimo disse...

Que poema mais lindo, Renato! Sublime! Para ler, reler e reler... É sempre uma experiência instigante ler você, transpor o cais da tela e seguir ao vento da sua poesia, além-mar, e me reencontrar.

Grande abraço.

Tere Tavares disse...

Renato,
A canção que embala é seiva a revigorar o sonho, a recobrir a realidade. Saudade.

Renato Torres disse...

valério,

sim, pegaste o liame do texto com precisão. eu o fui escrevendo sem saber bem o que ia encontrar, indo ao sabor da melodia criada pelo felipe cordeiro (é uma letra escrita pra uma canção), até eu me deparar com esse deus obscuro - talvez um dos deuses esquecidos... dará, o "deus do acaso", da criação espontânea, que nasce por necessidade, empírica e orgânica, como respirar. corroborando com tudo o que disseste, somos mesmo levados pela poética que flui em correnteza, sempre outra, sempre nova, além de todos os enunciados.

um prazer te ter a comentar, meu amigo!

abraços,

r

Renato Torres disse...

cida,

minha amiga, a nossa sina é, sim, gloriosa: cantar. e o canto, como ferramenta do invisível, está no cerne do fazer poético. e de tanto cantar, um dia nos recordaremos de quem realmente somos, creio eu... obrigado por vir me visitar.

beijos,

r

Renato Torres disse...

tere,

sem a canção, o que seríamos? meros espectadores da rude realidade. é preciso mesmo vestir o sentido de outras paisagens, e quem sabe, ver.

saudades também, querida...

beijo,

r

Unknown disse...

não devias nos privar de seus poemas, letras, sei lá, sempre tão melodiosos..

sinto prazer em te ler, amigo

bijo

Anônimo disse...

Todos os mistérios aqui tentando ser revelados ou já revelados a ti, transita entre o Céu e o Inferno humano procurando no Universo azuis neutros, aueles contidos em caules querendo, iniciando brotos...límpidos...abs

oavessodaletramorta disse...

que caminhos são esses que nos levam, erráticos, para o além-mar?
que a música sugere, já sacamos, mas para onde sugere?
para mais música e mais beleza sem dúvida...

Vermmellha disse...

Será que todos preferem se ater ao conteúdo e só eu prefiro falar sobre a forma? Sim, pois do lirismo das palavras e da fluidez do texto já os sabemos, mas da precisão da forma, do concreto das letras justapostas, quem as lê assim?
Texto para música, para embalar crianças, para recordar ou refletir, sejá lá para o que for, todo texto, até os mais formais, caminham para um certo acaso (antes do ocaso). E digo isso sem pretensão de falsos poetas ou hipócritas admiradores de arte: teu texto, independente de qualquer linguagem de veiculação, é arte aos meus olhos e por detrás deles.
Até.

jorgeana braga disse...

a investigação dos limites as vezes nos depara com certas tristezas...mas é necessário ultrapassá-las...ou então seremos eternos cabisbaixos...se bem que há um charme no "cabisbaixismo". rs

bom vê-lo lá no blog. sempre venho aqui.

j.

Renato Torres disse...

alma,

não, não os privo, pelo menos não de "caso pensado", como dizem... eu apenas demoro - como na natureza tudo demora, sendo. seria terrível se postasse um poema por dia, creio... melhor assim, deixar desabrochar uma flor de cada vez.

beijos,

r

ps: tão bom saber que meus escritos importam a ti!

Renato Torres disse...

cíntia,

num outro texto escrito também para melodia de felipe, falei da "sanha dos inícios doutos na vertigem virgem da memória". me parece mesmo um tema recorrente em alguns últimos escritos meus e, longe de ser o atestado de uma sapiência, é muito mais a confirmação de uma busca constante. afinal, a memória humana é um mar de esquecimento. tenho essa impressão de que estamos mesmo em busca de recomeço.

beijos,

r

Renato Torres disse...

felipe, meu mano,

o mar é, em si, um descaminho, tal a sua pluralidade, tal o seu amorfismo... lembrei agora de wisnik referindo-se ao som do mar, o amalgamado de sons e ruídos bailando hipnótico em todas as frequências. nada mais simbólico do que "a vaga inventada" - a curva da onda criativa, na entropia estética que nos atrai feito canto de sereia.

beijo,

r

Renato Torres disse...

fé e mô,

dizer pressupõe comunicar, pressupõe um intento conjurador de compreensão, mas há muitas camadas aí, claro. ater-se a forma ou ao conteúdo me parece sempre pouco: há mais camadas na linguagem. e a poesia se quer no ar, em mutação, sempre outra, sempre a mesma, dialética. mas agradeço por teus olhos sobre a estrutura dos meus textos, coisa que raramente alguém comenta (e coisa com que eu pouco me preocupo ao escrever, por incrível que isso possa parecer!).

abraço,

r

ps: mas gostaria de saber quem és!

Renato Torres disse...

jorgeana,

tenho uma certa tendência ao cabisbaixismo - herança drummondiana e adolescente. contudo, investigar os limites requer mesmo uma boa dose de disposição de tais extremos emocionais. ainda bem que depois temos um papel pra escrever sobre, né?

também gosto de visitar tua casa de palavra...!

beijo,

r

Viviane: poetisa, professora, pesquisadora, atriz, pianista... disse...

Surpeendi-me com um olhar voltado para o mar, tão longe a cantar, no além mar. Gostei da sua poesia, um pouco saudosa de um certo espírito histórico modernista. Talvez buscando acordar a massa que dorme e sonha com castelos de areia.
Parabéns por essa voz...

Viviane

Renato Torres disse...

olá viviane,

a voz que canta não é mais antiga e nem mais nova do que tudo o que existe, ou que existiu. é, apenas, porque é preciso cantar. o fazemos sub-reptícios, ansiosos, cotidianos, e às vezes mesmo em silêncio.
gosto de saber que a voz de que falo em "deus dará" (e a minha própria voz, em última instância) por vezes alcança seres distantes no não-lugar, nessa virtualidade tão controversa que escolhemos pra fazer soar nossas vozes... só não sei se pra fazer acordar ou pra fazer dormir, depende mesmo de quem ouve. queres acordar ou sonhar?

mais grato mesmo pela visita e comentário carinhoso!

abraços,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.