quarta-feira, dezembro 06, 2006

a sombra

esta a sombra que arrasto em meus pés
ou ela a mim? pondero sem susto.
empurrados os dois pelo sol em litania
ou pela luz fria dos postes noturnos,
a cidade espuma de tanta sombra!...
sangra este negrume tão lentamente
que não chego a pensá-lo – motor de um
outro inverno, cerne de volúpia quieta.

sombras inexistem de per si, são sobras
d´outros seres, inconcretudes espargidas
sobre o chão das coisas. verniz fugidio,
esta escuridão escorreita e servil...
de que me serve afinal? chama-me “mestre”
sem contudo dizer, segue-me às cegas,
num pleonasmo ingênuo, sua teimosia tão
discreta, embrionária.

recordo: em feto o teu manto me envolvia
em fervura sanguínea. sou teu filho, pois,
assombras-me desde o ventre, e hás de
engolir-me por fim, em mortalha de terra
água ou fogo. receio ter, inadvertidamente,
aberto teu jogo – de fato me espreitas,
empurras-me a cabeça noite após noite
em teu regaço estreito, na planura satisfeita
de treva sem remorso, no ócio da tua
liturgia, que parece não querer nada
além de refugiar-se aos becos, no
extremo diamétrico de toda luz, cuja
presença próxima aos objetos intumesce
a tua ossatura pânica e muda!

ei-la, imensada às expensas de argumentos parietais,
fantasmagórica sombra minha – minha?
ou sou teu severo percalço, se busco encandear-me
as instâncias, as latências, o substantivo lato?
sombrazinha, sozinha de fato, sempre
a reiterar-me a irrevogável dor íntima de existir,
que seja, então, assim, tal expediente teu, iconoclasta.
a mim, basta saber que hei de afogar-te, alhures,
na oceania fulgurosa de um sol de meio dia.

15 comentários:

Anônimo disse...

Wunderschön, dein Schatten...

Um beijo

Tuca

Georgenor Franco Neto disse...

Sempre quando visitou o teu blog, é um banho de boa poesia! O show ontem foi ótimo. Um forte abs., Geo.

Lu C. disse...

Querido Renato,

Passei pra te ar boa noite, te ler um pouco, é claro.. hehe , e te convidar a fazer uma visita em meu bloguinho!
Te espero lá!

Grande beijo
www.versoeflor.blogspot.com

Benny Franklin disse...

Palavras de fina estampa. Tiro no escuro. Renato, Parabéns!

Anônimo disse...

que belo. que belo...
simplesmente mágico.

renato, quem escreve aqui é a lena, moça que comprou o cd do clepsidra, no café imaginário.
poxa, me desculpe. eu comprei meio desacreditada, num chove-não-molha transitório. cheguei em casa e escutei. e escutei de novo. e escutei de novo. viciei. o som é puro, completo, perfeito, harmonioso. as letras... poxa, renato. as letras não são desse mundo. "se você pudesse passar uma borracha nos seus erros, quanto tempo levaria?", isso resume tudo. é lindo, querido. é lindo.
quero comprar o outro, viu?
me manda um email dizendo onde vais tocar de novo para eu ir lá comprar o outro cd. abraços da nova fã, lena. (minabrownok@hotmail.com)

Vanusa Rego disse...

Você poderia escrever uma antologia...
Muito bom!!!
v.

Renato Torres disse...

tuquinha!

mesmo sem entender lhufas, imagino que gostaste...

danke!

r

Renato Torres disse...

grande geo!

banhamo-nos mutuamente, continuamente, insaciavelmente, nessas soluções fundamentais... que bom!

abração!

r

Renato Torres disse...

lu!

que bom que vieste... passo lá contigo então!

beijos,

r

Renato Torres disse...

benny,

mano, acertaste em cheio: mesmo a página sendo branca, o tiro da poesia é no escuro...

abraço!

r

Renato Torres disse...

madalena,

coisa boa é receber visita sua! essa sim, prenhe de luz própria... agradeço-te iluminar minha escuridão!

beijo,

r

Renato Torres disse...

lena,

fico feliz de que tenha se desvendado, antes tardando que nunca, a beleza do que nos propomos a dizer. seja sempre bem vinda na página branca!

beijo,

r

Renato Torres disse...

vanusa,

antologia? rsrsrs, não sei... acho que ainda é cedo pra tanto, né? deixa pelo menos eu publicar meu primeiro livro! rsrsrs

beijos,

r

Madalena Barranco disse...

Relendo sobre tua sombra... Vejo que ela é parceira da própria luz, que incide sobre tuas páginas brancas. Somente por um século li algo tão assombroso e momumental sobre a força da sombra ao lado da luz. É uma honra ler tão sábio e profundo poeta do rio Amazonas. Beijos. DESCULPE-ME havia postado este comentário no texto acima. :)

Renato Torres disse...

querida madá,

tão tardiamente venho responder o teu comentário. realmente, é assombroso até mesmo para mim o resultado deste texto, sem falsa modéstia... tenho mesmo a impressão por vezes de que algo, ou alguém, fala através de mim, ou como seja... de todo modo, as obras de arte são de toda a humanidade, e devemos nos esforçar por merecê-las, quer como canais para sua concretização, quer como apreciadores e fruidores.

beijos,

r

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.