domingo, maio 14, 2006

minha mãe

minha mãe vem de linhagens elementais, e traz
junto ao ventre inúmeras certezas férteis,
prontas a encontrar qualquer pequena existência
e saber-lhe as origens, abrigando-lhes desde o nome.

acerca de mim ergueu paredes líquidas e sentimentais,
horizontes onde vi a beira íngreme do mundo,
tonta a precipitar-se, sob a velocidade da lágrima.
minha mãe esquece-se entre os nomes queridos,
florindo em murmurados risos, saltando uns sobre
os outros, em cômica algaravia. minha mãe sabia
desde o início que haveria de ser assim, para mim
e para meus irmãos – um caminho são aferrado a
escolhas verdadeiras, um tecido vivo, ornado à mão.

assim ensina autêntica, incontinente em sincera realeza,
sangra a vinha de minha mãe incessantemente,
adoçando-nos as bocas sempre sedentas de si,
úmidas então com sua ciência doadora, dourada irmã,
armadura vegetal orlada por suas pequenas filhas,
as plantas com quem conversa em íntimo dialeto.

minha mãe conhece o secreto cálice da vida adiante,
dedicando-se à plenitude feminina de ser em muitas,
outras meninas a tremular, regadas ao sol da manhã,
sob orvalhos gotejados de sua mão, céu a chover.
minha mãe me viu nascer antes da chegada, e quis,
mesmo sem querer, enluarada sobre o mundo a crestar,
que ali fosse o meu lugar, o chão donde cresceria nato
e recoberto de sua branda morada, seu morno tato.

10 comentários:

Anônimo disse...

Rê, isto eu escrevi na minha porta, e lendo você, lembrei:

Quando nasci, minha mãe lembrou que Paloma era como chamava tudo aquilo que não sabia.


E ela não me sabia, nem se sabia pois eu fui dentro dela um ponto de interrogação.

Anônimo disse...

Renato... Elas são melhores do que qualquer espião ou segurança... Tiveram o treinamento de 7 a 9 meses... Depois disso somos todos cuidados com rei ou rainha.
Adorei vim aqui ler vc... adoro vc!
Um grande beijo !

Márcia Gabrielle Dantas disse...

Renatoooo!

Agora eu me uno a vc em palavras virtuais!

Foi td como um grito ardende saindo de uma garganta árida.
Mas ta lá e virou algo maior, meio desabafo.

:*

Ana Costa disse...

Passando para ler-te, adoro teus escritos!
Um abraço!

Anônimo disse...

Querido, ainda não li o mais novo, mas este eu ainda não tinha lido. Caraca, parceiro, ficou belo e vai brincar nas ranhuras dos tempos em que, todos, brincávamos de ser gente nos úteros maternos. Beijos pra ti.

Renato Torres disse...

pássara,

tua mãe, como a minha, são grandes asas prateadas de lua nova...

a prova de que somos a própria descendência do amor gotejante.

beijos,

r

Renato Torres disse...

Lia,

elas são a quintessência da existência... venha sempre!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Marcota,

o grito serve para desencavar os ancestrais... deixa sangrar!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Ana Maria,

sempre feliz com tuas visitas!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Vital,

querido parceiro, é sempre uma honra ter teus olhos argutos sobre os meus escritos...

beijo,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.