quarta-feira, novembro 05, 2014

O Ódio

à memória urgente do massacre guamaense

dizem que o ódio é um bicho morto-vivo
primitivo, vem das lendas borgianas
recolhidas entre uma e outra pálpebra
depauperada das canalhas insones


dizem que o ódio é sem nome, mas sempre
assume vestes e corpos de homem,
enverga mosquete, clarim, alforje, seta e besta
e se infesta silenciosamente pelos
roncos da sesta do bairro suburbano


dizem que o ódio é uma invenção dos humanos
que por sua vez, dizem nada ter a ver com ele
sua pele viscosa tem, por vezes, a libido e a bile
misturadas como numa saliva babada incontinente


dizem que o ódio é demente, e nem sente
sua própria existência, é como uma carência
que mente, enquanto tenta provar inocência
põe a forca em pescoços infantes, e deseja
o quanto antes, que seja coroada sua ânsia
por vingança, por preguiça, por ciência.


6 comentários:

Felicidade Clandestina. disse...

O ódio e suas nuânces em forma de poesia viva aqui no teu canto. Sabe, passo meses nesse resguardo de escrever e nas voltas me deparo com escritos como esse...em todas elas sempre me pergunto: por que mesmo fui embora?

Renato Torres disse...

Giovanna,

escrever é como finalmente respirar depois de um tempo (perigosamente) submerso. é no verso que se resolvem embates por sobrevivência. há uma certa violência nisso, mas é natural: a natureza é violenta. contudo, o que esse poema descreve está longe da natureza... é a brutalidade desmedida e meditada e premeditada, auditada pelo ministério público e pelo supremo tribunal federal.

beijos,

r

Ricardo Mainieri disse...

Renato, digo num poema: "SOLVENTE//o ódio/é viscoso/impregna & sedimenta/só o amor o dissolve"
Tenho aprendido, com a vida, e a psicanálise, a reservar um breve momento de reflexão antes de soltar, este Hulk que me habita.
Tem funcionado, algumas vezes.
Belo poema reflexivo e profundo.

Abração.

Ricardo Mainieri

Pat Rameiro disse...

genial!
=O

Renato Torres disse...

Maini,

tenho me visto às voltas com esta mesma demanda... é mesmo preciso controlar e encarar este lado negro de nós. belo poema!

abraços!

r

Renato Torres disse...

Pat,

feliz de gostares, e com tua visita! e o livro?

beijos,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.