sábado, novembro 06, 2010

com um único verso que me valha

é quando então enfrento o mundo
além do muro da visão
é quando então me solto, arrisco
revelado pela dor

e invoco uma divindade dúbia,
um teor vívido, remotamente eu mesmo
com um único verso que me valha,
às custas de esquartejar-me
e expor despojos nas praças do centro
com os gemidos dos antros, os porões
carpideiros a doerem-me aos ouvidos.

é aí que o desconhecido vem sentar-se
à minha mesa, e toma-me as mãos,
beija-me as faces rubras de vinho,
e conta-me, compassivo, todos os
nomes que já tive, e quais os rostos
verdadeiros de meus detratores.

é quando meus suores ora frios tornam-se
calda fervente, e que a fúria asceta
embaça-me os olhos, e eu tremo, porque
tenho os membros atrofiados, e o
combate estoira-me por dentro dos
canos venosos, pelos átrios do pâncreas,
através da envergadura dos fêmures
e das omoplatas eriçadas num arrepio de voo.

é quando então sou o que seria, vendo
pelo vão agudo, além de toda cegueira
e a clareira objeta certezas.

é quando a presa escolhe como quer
morrer, para viver adiante,
enquanto a mínima palavra abre-se,
anímica, livre de querer dizer.

16 comentários:

Lígia Saavedra disse...

Dar liberdade ao ódio é soltar o Verbo. Só que no seu caso, querido Poeta, é "soltar o verso" e desprender-se deste mísero sentimento vão.

Bjs Renato

Ana Guimarães disse...

Belíssimos versos, poeta!
beijos

edson coelho disse...

renato, você continua pegando a veia e aplicando ou extraindo dela a emoção e o pensamento. não se pode querer mais nem de veias, nem de poetas. tem sempre algo novo depois do libirinto, meu amigo. conto com você para saber qual é.
edson coelho

thiara disse...

o terceiro é o melhor parágrafo

Tere Tavares disse...

Que alívio! É o que se diz quando algo fala tão proximamente, e com grande essência artística.
Abraço

alma disse...

Fiquei queda nestes versos, num misto de de ar e tempestade.
Adorei!

Fico fã.

bj

Unknown disse...

" arrisco
revelado pela dor"

Renato meu querido amigo

que beleza pode conter a dor não é?


roubo seus versos e guardo-os para mim


te beijo

malmal

antes blog do que nunca! disse...

Um ser humano consumido pelos seus desejos e o conflito entre o lado humano e o bestial, existente em todos nós.

Um poema soberbo!

1 Bj*
Luísa

Renato Torres disse...

Lígia,

este texto é, de fato, cheio de uma energia bastante humana, falha, e também de ascese. creio neste momento, do enfrentamento, através da palavra escrita, do que possivelmente somos em essência. te agradeço a sensibilidade e o olhar.

beijos,

r

Renato Torres disse...

Ana,

belíssima visita1 um prazer sempre te receber!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Edson,

é mesmo impressionante a potência da linguagem em exprimir, quando nos dedicamos a este esforço. e que bom saber que contas comigo1 também conto contigo, poeta, e quero saber o que há nos interstícios dos domínios do Minotauro.

abraços,

r

Renato Torres disse...

Thiara,

curioso elegeres um parágrafo da tua preferência, coisa que dificilmente alguém faz por aqui (ou acho que nunca fez, rsrs). a mim é difícil eleger onde está o centro nervoso do poema, mas sem dúvida este parágrafo diz bastante de algo um tanto clariceano que muitas vezes persigo com minha poesia. feliz de teres lido e comentado!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Tere,

imagine o alívio que sinto quando consigo dizer coisas tais como essas! parece mesmo redundante dizer, mas escrevo mesmo para me aliviar dessas agonias sem nome. bom, é uma satisfação fugaz, mas dá pra sossegar um tantinho! rs

beijo!

r

Renato Torres disse...

Eduarda,

"misto de ar e tempestade", que comentário mais feliz! e a felicidade é minha, porque gosto quando o que escrevo provoca, em quem me lê, mais poesia...

volte sempre!

r

Renato Torres disse...

Alma,

este verso que escolheste... como se parece contigo, né? rsrs
é engraçado dizer isso, porque só nos conhecemos pelos versos, pela internet... mas afinal, o que mais precisamos pra nos saber, não é mesmo? sempre feliz com tua visita!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Luísa,

esse conflito é como uma turbina a nos mover pela existência. que bom que nos foi dada a chave da palavra, esse unguento que cura e queima a um só tempo!

beijo!

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.