quinta-feira, setembro 30, 2010

Maria do Grão*

há outros vestígios onde habito
rescaldos da aurora, um murmúrio
o repositório de conquistas aniquiladas
espargidas ao vento litorâneo.

a cidade se deixa recortar
por correntezas infeccionadas.
há grandes árvores cuja história
morrerá com elas, ressequida.

à gleba noturna voejam fantasmas
o ouro sereno de inexistências persiste
a vastidão do rio empresta-me silêncio.

enquanto há cansaço e calor -
uma breve canção me ocorre
ouço seu grito leve, em sonho,
e cada lenho crepita onde habito.

...

há vários presságios enquanto luto
e o último alqueire queima, vencido
à glória anônima de haver sido

a velha planície, o vento terral
a lua no charco, umbral mouro
deslizando lento no choro, a brisa
enfunando cores em papel de seda

e a cada segredo que o tempo sossega
excedo em suores bravios, inquieto
minha própria armadilha de versos

e objeto incertezas, anulo os
maldizeres apenas por ser
o lento vagido de tudo o que quer
suspira e evola-se em nuvem chuvosa
irmã vagarosa do entardecer.

*título referente a expressão Santa Maria do Grão, usada por Vicente Cecim em Viagem a Andara

6 comentários:

Lígia Saavedra disse...

Nossa Belém é merecedora dessa maravilhosa homenagem, Renato.

Nesta época em que nos preparamos para a festa maior "...a cidade embaçada enevoada de saudades insuspeitas..." dos seus habitantes que de longe imaginam-se cá, agradece.

Parabéns, Poeta!

edson coelho disse...

enquanto há cansaço e calor -
uma breve canção me ocorre
ouço seu grito leve, em sonho,
e cada lenho crepita onde habito

a isso, nada se acrescente. ou, por outra: uma cerveja antes do almoço é boa pra se ficar pensando melhor.

vamos marcar, amigo

Tere Tavares disse...

É uma oblação - onde quem oferta é chão - terra - água- fertilidade de palavras. Parabéns Renato.

Renato Torres disse...

Lígia,

confesso que não pensei este poema inicialmente como uma homenagem... nem mesmo pensava em fazer um poema sobre Belém. mas a cidade foi se afirmando sorrateiramente nele, e aquiesci.

obrigado por vir!

beijo,

r

Renato Torres disse...

Tere,

de fato, uma oferta de palavras quase indigentes, quase um sacrifício cego, mas ainda assim um sacrifício, onde o que sangra são rimas e ideias solitárias.

sempre um prazer te receber!

beijos,

r

Renato Torres disse...

Edson,

sim, mano! estou sempre a te dever esta cerveja e este papo... e depois daquele show fantástico do Nei, bem que podemos fazê-lo... mas estou ainda sem poder beber! rsrs... assim que der...

abraços!

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.