quinta-feira, outubro 15, 2009

vida

(7.novembro.2008)


a vida é maior que a tua dor

e cabe na flor, nos arredores

do teu sentir. e no porvir

amanhecerá o sal, o cio original,

a cal da natureza na incerteza do real.


a vida é melhor que o teu querer

e sabe o sabor das entregas surpreendentes,

a infância preservada nos intentos,

a força dos inventos imbuídos de milagre,

como a lágrima iminente, o ventre reconvexo,

o plexo solar, e o suspiro da aurora.


a vida é muito mais do que agora,

onde esboças teu receio – é um veio

rodeado de águas idas e vindouras,

e mora no útero mínimo das horas

dilatadas quando oras o evangelho

de simplesmente seres, não importando

que esperes por provável paraíso.

a vida é este relógio impreciso,

o franco improviso que continuará.


...


(15.outubro.2009)


a vida vai além do teu penar

e corre ao largo do que pensas

como se estivesse parada – é a

enseada fluídica, a hidrografia

escarlate que carregas, secreta,

e que, inquieta, refaz constante

os seus percalços no leito

de um mesmo rio.


a vida é este incerto pavio a queimar

cujo comprimento desconheces, mas

que te conduzirá, fatal, à explosão

de existires inteiro, ao fim da ilusão.


a vida é o reverso do não que pronuncias

na redoma que te contraria o desejo

e ora no silêncio do beijo, mora no

rijo intuito de expandir-se, mira-se

na certeza do milagre que esperas.

não retém ou exagera, antes gera

mais de si mesma, exige pulsações,

fluxos vibráteis, presenças plenas.


a vida nunca é pequena quando

a alma olvida, e convida-nos a

ocupar-lhes os aposentos a seu tempo.

a vida é um invento lento, um novelo

feito de momentos a se desvelar.



20 comentários:

antes blog do que nunca! disse...

Maravilhoso escrito.

Em diferentes datas, o testemunho, de palavras que perseguem o horizonte do futuro, embaladas pela certeza infinita que reveste a vida e o amor.

Só a vida e o amor valem a pena. Principalmente quando é vivido e sentido assim: com tanta delicadeza e sensibilidade.

Bem hajas, Renato Torres.

1 Bj*
Luísa

Jean Leal disse...

Li um trecho que enviaste ao meu e-mail e vim conferir o resto.
Realmente muito bom Renato, és além de um ótimo músico, um poeta sem explicação!
Adoro teu trabalho.Abraços


http://relatoosdavida.blogspot.com/

Marcelo Marat disse...

Poesia e filosofia em grande estilo. Evoé!

Tere Tavares disse...

A plenitude irrefragável de existir transcende o tempo, não o invento do poeta e a sua madurez. Caro és ao dizer, amigo Renato.
Um abraço

Anônimo disse...

És ela propriamente dita,a vida! Bem aventurados que somos dessa tua imensidão não caber em ti e derramar pelas bordas pra nos.Tuas palavras,cada uma,é colo pra mim.


Bjó

Maria disse...

É no presente que me cruzo com as tuas “águas idas e vindouras”. Foi também o momento em que cruzaste ambos os poemas… continuação de um mesmo curso de água, por diferentes paisagens?
Desejo-te um "pavio" muito longo que possas queimar com deleite.

Maria

Madalena Barranco disse...

Tem razão o seu coração, querido Renato Torres, quando poeta que a Vida é muito mais, pois flui a cada instante e muitas vezes a deixamos correr na enxurrada.

Beijos.

Benny Franklin disse...

Genial - e de prima!

Unknown disse...

simplesmente soberbo!!

Renato Torres disse...

senhora lua,

sim, apenas a vida e o amor: sinonímias. e muito mais ao percebermos que escapam das bordas, como já comentou alguém por aqui. bem haveremos de nos reconhecer sempre, minha irmã!

beijo,

r

Renato Torres disse...

jean,

a única explicação possível a um poeta são ses próprios textos... e ainda assim,já disse o quintana, um poema não carece de explicação, e nem mesmo é uma explicação. mas a tua sensibilidade e tua busca são bastantes para refulgirem suas descobertas.

abraços,

r

Renato Torres disse...

marat,

sim, também creio na poesia como uma forma de filosofia, uma forma, digamos, menos comprometida com a seriedade existencial do pensamento filosófico... mais relaxada, muitas vezes mais profunda, outras mais simples e funcional. obrigado por vir!

abraços,

r

Renato Torres disse...

tere,

a fome de existir, dirá sempre, mudamente, de tudo. quanto mais soubermos, menos diremos, eis o que pressinto, ingenuamente. me é caro, ainda, dizer, mas um dia, talvez, será mais caro ainda o silêncio de simplesmente ser.

beijos saudosos!

r

Renato Torres disse...

meu caro anônimo,

ainda que sem saber (porque não me deixas) quem és, não posso deixar de agradecer tua deferência, teu carinho - certamente de alguém próximo. fico feliz que as palavras te dêem colo, assim também elas o fazem comigo.

abraços,

r

Renato Torres disse...

maria,

gosto de recriar situações já escritas, de recuperar idéias de outros poemas, de cruzar referências dentro de meu próprio trabalho. é uma "brincadeira de dizer um tanto mais" com o que já disse antes. que bom que encontraste com esse cruzamento agora, e que podes acenar com teus bons augúrios.

beijo,

r

Renato Torres disse...

madá,

meu coração é um errante, e suas razões, como ele, resvalam sempre na humanidade deposta, sangrante, desabrida, que por vezes desemboca num poema. que bom que aqui nos encontramos e nos reconhecemos.

um beijo!

r

Renato Torres disse...

benny,

o gênio está em reconheceres, sempre, a nossa irmandade na palavra... o resto é silêncio.

abrações!

r

Renato Torres disse...

zimerer,

minha querida, soberba é essa tua rara e querida visita!

um beijo, e apareça!

r

Unknown disse...

Envolvida pelo cansaço e solidão da escrita da tese lembrei-me de sua poesia, resolvi vir atrás do seu blog e eis que encontro a “vida”. Nesse momento só posso dizer: obrigada por compartilhar sua poesia, ela me embala e ao mesmo tempo me desperta...Como a vida.

Renato Torres disse...

Lucília,

é sempre uma certeza e uma surpresa reconhecer em pessoas certas características que as tornam especiais, com aquele diferencial que nos torna profundamente humanos, vivos, atentos, dispostos ao milagre. vejo isso em ti desde há muito, e por isso, é surpreendente e ao mesmo tempo certeiro que venhas aqui, e me digas tais palavras. eu também te agradeço muito por encher de vida estas palavras que, de outro modo, poderiam boiar, indefinidas, por estes frios mares virtuais.

beijo,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.