terça-feira, agosto 04, 2009

Fortuna

Então, cubra de delicadeza esse corpo já deitado em palavra,

e com a lisura vagarosa do tempo, ouça o trote longínquo,

a moçada gritando aos bardos, aos bandos,

naquela clareira, em estrépitos de argúcia;

as fogueiras sempre foram feitas de gente,

e toda a gente sempre correu fora da luz.


por onde andares, levarás contigo a clava diáfana,

e por onde falares, deixarás comigo a tua armada, armadilha feita de sopro:

a concha de tuas mãos, o rescaldo da inércia, o vinho que envelhece subterrâneo.

e quando voltares, isso será o vazio, uma casa à espera do corpo,

da palavra, e de tudo o que se escondeu diante da terra.

será como a visita de um sonho, essa porta que se abrirá, silenciosa, na madrugada

e a mãe, sentada ao lado da cama do filho.


portanto, dobra desde já esse teu manto feito de escolhas,

e te aproxima da antiga morada -

é na distância que crestam luzes,

e o tempo se cobre de sombra e sol.

deixa as sobras aos que padecem sob tua mesa

enquanto comes, delicadamente, a fortuna dos dias de sorte.


escrito a quatro mãos com Daiane Gasparetto, 4.ago.2009, msn, 13:45.

25 comentários:

Anônimo disse...

Lindo poema!
bj

Maria disse...

"Ouvi-te" ontem, na rádio, por acaso, na viagem de regresso a "casa" e desde ontem que leio suas palavras. Que saudades de palavras... Nem eu tinha ideia..
Muito bom ler-te.

Renato Torres disse...

oi, anônimo...

que bom seria poder agradecer tua leitura pelo nome... mas obrigado de qualquer forma.

abraços,

r

Renato Torres disse...

maria,

as palavras nos embalam mesmo quando não estamos a pensá-las ou a lê-las... porque tudo é feito delas, as coisas têm dentro de si, no bojo, o sopro de palavras... fico feliz de saber que minhas palavras e minha música te afagam pelos caminhos.

beijo,

r

Unknown disse...

humana que sou, morri de inveja de não par a essas mãos, mas venho saborear suas palavras e tentar resgatar o lirismo perdido.
Sempre me alimentarás a Alma, amigo..

Beijo a dupla

malmal

Unknown disse...

Meu deus, que lindo!! "será como a visita de um sonho, essa porta que se abrirá, silenciosa, na madrugada".

antes blog do que nunca! disse...

Amigo Renato, bem sabes que sou "adepta" dos poemas a quatro mãos...e este que trazes com Daiane é bom resultado, desse intercâmbio rico de palavras.

Dois poetas que se unem e comungam do mesmo verbo fazem fortuna. Ditam sorte, quando exultam a luz e a presença da mãe natureza.

2 Bj*
Luísa

Ricardo Mainieri disse...

Magnífico poema, perpetrado por dois poetas que merecem este nome.
A riqueza das imagens, a música que emana dos versos, tudo numa sincronia perfeita.
Parabéns Renato e a sua companhia poética.

Abraço.

Ricardo Mainieri

Renato Torres disse...

alma,

não há nada que impeça nossas mãos em darem-se, a qualquer tempo, para o ofício das palavras e da amizade. portanto, não carece teres qualquer inveja disto... fazes parte, sempre, do que se disser em beleza... fico feliz em alimentar-te, alma, sempre.

beijo,

r

Renato Torres disse...

lucília,

a beleza, como já se disse tanto, está nos olhos, na alma, no coração de quem vê, como um sinal de reconhecimento: ver e reconhecer-se.

beijo,

r

Renato Torres disse...

luísa,

bem sabes apreciar aquilo que surge de uma verdade indiscutível. e sendo tu também uma das mais formidáveis parceiras com quem já tive o prazer de escrever a quatro mãos através do msn, tens toda a propriedade em tuas observações. agradeço muito todo esse teu carinho atencioso!

beijo,

r

Renata Cabral disse...

entrei no seu blog via salamandro... e achei o poema forte-vivo-visceral!

até
Renata

Doroni Hilgenberg disse...

Renato,
Rica construção de conceitos em versos e palavras

E nessa "Fogueira de Vaidades" as pessoas se perdem esquecendo a essência de tudo ou seja as coisas que fortalecem o espirito e personificam o ser,isto sim(creio) é a nossa verdadeira Fortuna.
bjs

Edmar Gomes disse...

Que lindo, vai me servir de inspiração...

Posso te linkar no meu blog?

Abraços!

Jean Leal disse...

Lindo poema, ótimo demais!

antesblogdoquenunca disse...

Querido Menestrel
e poetisa Daiane Gasparetto,

fortuna, é a de quem os lê: quatro mãos que, com um par de asas, a mim me parece um tipo de Pégaso ou - ainda mais forte - sendo estrelas as vossas palavras... a constelação boreal.

Qualquer dos modos, a imortalidade da primeira metáfora ou a universalidade da constelação dão-lhes conta da sensação que foi ler o vosso escrito.

beijo de irmão
RR

Elisa disse...

Oi Renato,

Foi muito legal vc reaparecer.
Visite o blog do meu grupo:
haikai-pulso.blogspot.com

Abraços,

Elisa (BH)

Renato Torres disse...

maini,

merecer o nome de poeta, pra mim, significa bem mais do que um título garboso, a suscitar a admiração de quem lê. é mesmo uma espécie de signo invisível que, como numa irmandade secreta, identifica os que estão atentos aos menores movimentos da vida, e os glorifica, atenuando por vezes sua violência e sangria, na composição de textos, de pequenas alegorias de palavra.

abraços, mano!

r

Renato Torres disse...

olá Renata,

que bom que entraste aqui, e encontraste esta página branca - ora preenchida dessa força-vida-visceralidade que te chamou. ela se deve a uma parceria de verdadeiro amor e amizade.

beijo,

r

Renato Torres disse...

Doroni,

muito oportuna a imagem da "fogueira de vaidades", que é esse nosso mundo. impossível não remeter-se à ela quando, diante da tragédia iminente espoucando aqui e acolá, ainda há quem se preocupe com inutilidades decorativas. há que aquecer-se na humana fogueira do coração, a morada primeira do espírito, a verdadeira fortuna, como bem disseste.

beijo,

r

Renato Torres disse...

Edmar,

que bom saber que te inspirará! linke o quanto quiser!

abraços,

r

Renato Torres disse...

Jean,

bom saber que apreciaste a nossa fortuna...

abraços,

r

Renato Torres disse...

Ribas,

tua voz de mestre não engana, e muito menos se engana em reconhecer-se, em asas de mito, ou em sanha de astros celestes. as mãos que se dão ao poema mais recebem o afago do que afagam, vestidas pelo algodão cru da palavra, buscando entre escuros e lampejos, o entrelaçamento provável. bom é saber que há olhos como os teus, a lerem o que, laicos, vamos escrevendo.

abraço-te, irmão.

r

Renato Torres disse...

Luci,

bom saber da comunidade. vou lá visitar.

beijo,

r

Renato Torres disse...

Elisa,

bom demais foi poder voltar a ter contato com pessoas tão maravilhosas como vocês... agradeço imenso essa amizade!

vou visitar o blog!

beijo,

r

Quem sou eu

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Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.