sexta-feira, julho 24, 2009

matinais


das artimanhas que conheço,
nenhuma que meça o desperdício das manhãs
nada que indique o endereço absconso do sol
ou de seu conselho:
o solto evangelho dos hipogrifos,
os centauros de ébano, a ceia dos unicórnios,
a vazante que revela as ondinas sem rumo.


o anúncio pálido goteja no frio, sem audiência.
os olhos tornam-se gládios ocos,
sem vestígio de milagre.
o orvalho ordenha-se indeciso
entre jóia e lágrima,
e há mais do que se pode contar
dos mistérios nos arbustos.


a muito custo consigo ordenar este relato,
um trato enviesado entre o horizonte,
e a linha vertical de tudo o que cai,
de todas as coisas que movem-se imperceptivelmente,
como entes hauridos de intermediação.


dos ondes em que anoiteço
nada que enderece ao longínquo hiato da aurora,
estas horas fustigadas de origem e âmbar,
havidas no incriado mundo que dorme ainda,
vergasta inclinado ao silício oculto
do dia recente, cujo choro primeiro
ninguém ouviu.


*poema provocado pelo tema "matinais", de Valério Fiel da Costa

11 comentários:

VFC disse...

Bravo, maestro! Linda imagem da primeira hora do dia. Mal posso esperar para colocar em música essas linhas (já experimentou-as nas melodias de matinais?).
Grande Abraço, poeta.

edson coelho disse...

lindo, renato. nem cabe mais qualquer comentário.

Renato Torres disse...

mano valério!

menino, acabei não fazendo isso, sabe? fui deixando o poema fluir livremente, ao sabor das sugestões da tua música, sem construi-lo dentro da métrica das tuas melodias... mas creio que vai dar pé algum tipo de jogo entre o texto e a música, né? vamos experimentar!

abração,

r

Renato Torres disse...

edson,

uma consideração tua, por menor que seja, é uma honra imensa... valeu!

abraços,

r

antes blog do que nunca! disse...

Ainda nem tivemos o prazer de estar frente a frente, numa agradável esplanada, quiça...ou tão simplesmente à beira das águas dos rios ou dos mares...

...ainda não aconteceu fisicamente, porque na alma...o nosso encontro acontece nas palavras que nascem a cada poema.

É absolutamente gratificante ler uma composição poética da envergadura de "matinais", qual reconhecimento do passeio que fazemos pela vida. Consciente ou não...saber sentir auroras e despertares é meio caminho andado...

1 Bj*
Luísa

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Caramba... nem sei o que dizer...
Quando eu crescer, quero ser assim.
Gostei tanto.
abç.

Renato Torres disse...

minha amiga lua,

é mais do que gratificante pra mim sentir-me irmanado a uma poeta com tamanha qualidade humana, o que és certamente. cada comentário teu no que escrevo é a confirmação de que, sim, nos conhecemos desde sempre, não há dúvida. e este encontro em uma esplanada qualquer será, claro, muito agradável, e pleno da emoção já expressa nas palavras, e nos olhos mareados. tu e ribas são seres especiais. tenho-os.

beijo,

r

Renato Torres disse...

oi juliana,

seja bem-vinda à página branca! fico feliz que tenhas gostado do que escrevi. fique à vontade pra ler os outros textos publicados aqui, e aguarde, que vou visitar teu blog.

beijo,

r

Tere Tavares disse...

Não sabemos o que é o tempo, nem o seu alcance; porém, são perceptíveis os seus brinquedos - depressa ou devagar, divagar entre as plavras, são sincronias verdadeiras e presentes. Nunca deixas de ofertar presentes Rê!
Beijos

Renato Torres disse...

querida tere,

é certo que, com o tempo, advém os indícios cada vez mais claros de que nos movemos pela e para a linguagem, oriundos de sua ampla beleza. que bom que posso te presentear, minha amiga...!

beijos,

r

Quem sou eu

Minha foto
Belém, Pará, Brazil
Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.