"resolveu celebrar universários",
relia naquele poema enquanto ajeitava-se
à roda de uma fogueira - a velha estrada
que atravessava, e onde reunia-se continuamente
com os desconhecidos de um sonho.
a mais nova entre eles surpreendeu-se: "44?
mas como, viajante? onde descobres a fonte infante?"
respondeu com um meio sorriso, porque
naquela tarde específica o calor era terrível
e o cansaço amealhava pequenas dores
como um ramalhete intermitente.
"não tenho nenhum segredo, a não ser dentes e sal"
ela intrigou-se ainda mais: "dentes e sal?"
decidiu recostar-se na pedra do caminho,
a cabeça encaixada, os olhos estrelados
"veja: mesmo nessa tarde solar
é possível ver estrelas... elas vagam na retina
como protozoários inquietos".
a pequena nem considerou a digressão,
pertinaz em seu inquérito: "queres dizer
dos dentes que usas para comer, do sal
da terra que te sustenta o corpo?"
dessa vez a olhou cuidadosamente nos olhos
(como convém olhar toda criatura que os têm)
e lentamente abriu um sorriso completo,
que evoluiu até uma levíssima risada.
parece ter funcionado, porque ao contágio
os olhos dela também riram, e a moça finalmente
mostrou os dentes que tinha - e eram belos.
"quanto ao sal", disse a ela "é bom que desperte
sempre que o coração sangrar, pela luz do olhar.
ele o conservará, não o deixará apodrecer.
não há nada pior que um coração apodrecido"
nesse momento, a menina se deu conta:
estava longe, muito longe de casa,
longe daqueles que conhecia e amava,
longe do próprio sentido da longa viagem,
longe da vigília, longe de si mesma,
longe do perdão, e apesar de ter tentado,
não conseguiu manter-se longe da própria dor.
sorriu desconcertada ao universariante, os
olhos afundados na ressaca do mar
e chorou.
inerência da linguagem mormente na página branca: a potência da semente, a semântica do mote cotidiano, sem planos. poesia para o enfrentamento do que inexiste, mas urge. grafias caboclas e indígenas por ascendência, oriundas de uma terra feita de águas intensas. poemas registrados na Fundação Biblioteca Nacional - RJ
segunda-feira, maio 02, 2016
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Quem sou eu
- Renato Torres
- Belém, Pará, Brazil
- Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.
2 comentários:
Coisa mais linda isso! Dentes e sal...
Larissa...
apesar do deslocamento no tempo, te recebo com a alegria que admira e abraça...
beijos,
r
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