é quando então enfrento o mundo
além do muro da visão
é quando então me solto, arrisco
revelado pela dor
e invoco uma divindade dúbia,
um teor vívido, remotamente eu mesmo
com um único verso que me valha,
às custas de esquartejar-me
e expor despojos nas praças do centro
com os gemidos dos antros, os porões
carpideiros a doerem-me aos ouvidos.
é aí que o desconhecido vem sentar-se
à minha mesa, e toma-me as mãos,
beija-me as faces rubras de vinho,
e conta-me, compassivo, todos os
nomes que já tive, e quais os rostos
verdadeiros de meus detratores.
é quando meus suores ora frios tornam-se
calda fervente, e que a fúria asceta
embaça-me os olhos, e eu tremo, porque
tenho os membros atrofiados, e o
combate estoira-me por dentro dos
canos venosos, pelos átrios do pâncreas,
através da envergadura dos fêmures
e das omoplatas eriçadas num arrepio de voo.
é quando então sou o que seria, vendo
pelo vão agudo, além de toda cegueira
e a clareira objeta certezas.
é quando a presa escolhe como quer
morrer, para viver adiante,
enquanto a mínima palavra abre-se,
anímica, livre de querer dizer.
inerência da linguagem mormente na página branca: a potência da semente, a semântica do mote cotidiano, sem planos. poesia para o enfrentamento do que inexiste, mas urge. grafias caboclas e indígenas por ascendência, oriundas de uma terra feita de águas intensas. poemas registrados na Fundação Biblioteca Nacional - RJ
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Quem sou eu
- Renato Torres
- Belém, Pará, Brazil
- Renato Torres (Belém-Pa. 02/05/1972) - Cantor, compositor, poeta, instrumentista, arranjador, diretor e produtor musical. Formou diversas bandas, entre elas a Clepsidra. Já trabalhou com diversos artistas paraenses em palco e estúdio. Cria trilhas sonoras para teatro e cinema. Tem poemas publicados nas coletâneas Verbos Caninos (2006), Antologia Cromos vol. 1 (2008), revista Pitomba (2012), Antologia Poesia do Brasil vol. 15 e 17 (Grafite, 2012), Antologia Eco Poético (ICEN, 2014), O Amor no Terceiro Milênio (Anome Livros, 2015), Metacantos (Literacidade, 2016) e antologia Jaçanã: poética sobre as águas (Pará.grafo, 2019). Escreve o blog A Página Branca (http://apaginabranca.blogspot.com/). Em 2014 faz sua estreia em livro, Perifeérico (Verve, 2014), e em 2019 lança o álbum solo Vida é Sonho, autoproduzido no Guamundo Home Studio, seu estúdio caseiro de gravação e produção musical, onde passa a trabalhar com uma nova leva de artistas da cidade.
16 comentários:
Dar liberdade ao ódio é soltar o Verbo. Só que no seu caso, querido Poeta, é "soltar o verso" e desprender-se deste mísero sentimento vão.
Bjs Renato
Belíssimos versos, poeta!
beijos
renato, você continua pegando a veia e aplicando ou extraindo dela a emoção e o pensamento. não se pode querer mais nem de veias, nem de poetas. tem sempre algo novo depois do libirinto, meu amigo. conto com você para saber qual é.
edson coelho
o terceiro é o melhor parágrafo
Que alívio! É o que se diz quando algo fala tão proximamente, e com grande essência artística.
Abraço
Fiquei queda nestes versos, num misto de de ar e tempestade.
Adorei!
Fico fã.
bj
" arrisco
revelado pela dor"
Renato meu querido amigo
que beleza pode conter a dor não é?
roubo seus versos e guardo-os para mim
te beijo
malmal
Um ser humano consumido pelos seus desejos e o conflito entre o lado humano e o bestial, existente em todos nós.
Um poema soberbo!
1 Bj*
Luísa
Lígia,
este texto é, de fato, cheio de uma energia bastante humana, falha, e também de ascese. creio neste momento, do enfrentamento, através da palavra escrita, do que possivelmente somos em essência. te agradeço a sensibilidade e o olhar.
beijos,
r
Ana,
belíssima visita1 um prazer sempre te receber!
beijo,
r
Edson,
é mesmo impressionante a potência da linguagem em exprimir, quando nos dedicamos a este esforço. e que bom saber que contas comigo1 também conto contigo, poeta, e quero saber o que há nos interstícios dos domínios do Minotauro.
abraços,
r
Thiara,
curioso elegeres um parágrafo da tua preferência, coisa que dificilmente alguém faz por aqui (ou acho que nunca fez, rsrs). a mim é difícil eleger onde está o centro nervoso do poema, mas sem dúvida este parágrafo diz bastante de algo um tanto clariceano que muitas vezes persigo com minha poesia. feliz de teres lido e comentado!
beijo,
r
Tere,
imagine o alívio que sinto quando consigo dizer coisas tais como essas! parece mesmo redundante dizer, mas escrevo mesmo para me aliviar dessas agonias sem nome. bom, é uma satisfação fugaz, mas dá pra sossegar um tantinho! rs
beijo!
r
Eduarda,
"misto de ar e tempestade", que comentário mais feliz! e a felicidade é minha, porque gosto quando o que escrevo provoca, em quem me lê, mais poesia...
volte sempre!
r
Alma,
este verso que escolheste... como se parece contigo, né? rsrs
é engraçado dizer isso, porque só nos conhecemos pelos versos, pela internet... mas afinal, o que mais precisamos pra nos saber, não é mesmo? sempre feliz com tua visita!
beijo,
r
Luísa,
esse conflito é como uma turbina a nos mover pela existência. que bom que nos foi dada a chave da palavra, esse unguento que cura e queima a um só tempo!
beijo!
r
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